14. A Porta

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LINETE

A vida de um senhor tinha muitos significados, mas a vida de um servo era a servidão. Ninguém esperava que um criado tivesse sonhos, paixões ou opiniões, pois, de modo geral, ele era visto como um adereço que servia somente para tornar os desejos de seu mestre em realidade. O que era o servo se não ou um objeto ou uma peça no grande tabuleiro da guerra pelo poder? Ninguém se importava. Ninguém exceto a senhora Lana.

Linete havia crescido junto com ela e suas primeiras memórias eram de sua bondade. Era Lana quem havia impedindo suas punições e aliviado seu trabalho, e fora ela quem lhe oferecera seu primeiro pedaço de carne. Então, toda vez que Linete via a face de sua senhora, sentia que sua relação com ela transcendia a servidão. Eram amigas e contavam com a lealdade sincera uma da outra, para o que desse e viesse. Então, como ela poderia negar qualquer pedido de sua ama, por menor que fosse?

Mesmo que isso significasse parar em um país desconhecido e cometer roubo ou assassinato.

Tudo que Linete sabia era que uma porta deveria ser aberta e então ela seria.

Edougard se moveu desconfortavelmente quando Linete se levantou e seus dedos fastidiosos buscaram a cintura dela. Ela o afastou com um gesto gentil, mas notou que seus olhos estavam pousados em seu corpo enquanto ela abotoava suas vestes de criada.

— Volte a dormir, querido. — ela sussurrou com candura.

— Onde você está indo uma hora dessas? — ele perguntou sonolento.

— Apenas estou indo cuidar dos assuntos do reino.

Mas ela sabia que suas palavras não tinha sido ouvidas. Quando se aproximou dele para dar um beijo de despedida, Edougard já ressonava profundamente. Linete deu uma última olhada em seu amante antes de deixar o quartinho apertado e vê-lo ali, deitado, fez com que ela sentisse sortuda. Aquela era uma das muitas vantagens que só a servidão podia trazer. Geralmente, a virgindade das senhoras tinha um preço definido — um milhão de moedas de ouro, muitas terras e, às vezes, até um reino —, mas o que havia entre as pernas de uma criada só dizia respeito a ela e podia ser dado a quem ela preferisse.

Aquela hora da noite, a cozinha já estava mais do que vazia. Havia um eunuco encarregado da guarda, para impedir que os servos roubassem comida, mas ele dormia profundamente recostado em um banquinho no canto. Silenciosa como um rato, Linete entrou e arrumou um pedaço de queijo e algumas frutas em um pratinho de barro. Se ela fosse pega, aquela seria sua defesa. Com um prato de comida em mãos, ela podia alegar que levava a refeição de um senhor e, se ninguém a flagrasse, ela ainda poderia aproveitar para fazer um lanchinho noturno.

O Príncipe Ivan e a Consorte Alina costumavam se encontrar no Jardim Real debaixo de uma frondosa cerejeira. Não costumava haver ninguém ao redor, nem mesmo a guarda real. Encolhida atrás de um arbusto, Linete observou enquanto o casal trocava um beijo apaixonado. Ela preferia se certificar que a senhora estaria longe quando ela tentasse entrar em seu quarto e, depois de acompanhar os hábitos dos pombinhos por mais de uma semana, ela sabia que Alina ficaria pelo menos uma hora longe de seus aposentos.

Tomou cuidadosamente o rumo para o Palácio de Seda. A escuridão era sua velha amiga e a abraçava gentilmente enquanto ela se esgueirava pelas sombras da noite. Grande parte dos corredores estavam mergulhados em trevas, mas havia um ou outro ponto em que a luz da lua se infiltrava sutilmente através das janelas. Os pés de Linete a conduziram de forma muito natural até os aposentos da Consorte. Depois de ter estado ali tantas vezes nos últimos dias, era como se eles tivessem se habituado e se tornado incapazes de se perder. Assim que divisou a entrada, ela se ajoelhou perante a rigidez da madeira e sacou o punhal que estava escondido nas dobras de suas vestes. Cravada na porta havia uma fechadura larga, muito antiga e feita de ferro. Seria muito difícil abrí-la sem a chave adequada, mas ela conhecia outros métodos. Quando Lana e Linete eram crianças, Yal Vraz havia lhes ensinado a arrombar portas. Naquela época, os três tinham mais ou menos a mesma idade e andavam grudados o tempo todo. Por causa disso, ela havia aprendido a fazer uma boa sorte de coisas ilícitas. Talvez Lana tivesse se esquecido de tudo, mas quando se era uma serva, às vezes era necessário saber andar na ponta dos pés da maneira correta e a surripiar itens de valor sem que ninguém notasse.

O Despertar da FênixOnde histórias criam vida. Descubra agora