O coração de Lana partia toda vez que seus olhos pousavam no doutor Lewie. Despojado da profissão e da esposa, as duas coisas que mais amava, o homem havia se tornado um fantasma esquálido daquilo que costumava ser, com olhos fundos e entristecidos.
A própria Lana se sentia sufocada e triste. Para ela, a experiência do cárcere domiciliar equivalia a estar presa numa sala escura, onde nenhuma notícia do exterior podia alcançá-la e a passagem de tempo fazia pouco sentido. Não podia evitar os paralelos com a sua vida passada, pois mesmo que ela não fosse mais uma imperatriz humilhada, ela ainda estava trancada esperando a sentença de um crime que não cometeu. Sequer sabia do que a senhora Tiana estava sendo acusada. Haviam muitos guardas cercando o Curatório, mas todos se recusaram a falar com ela.
A parte mais difícil, evidentemente, era não se deixar consumir pelo medo. Lana lidava com isso tentando tornar os dias de Lewie melhores, procurando coisas que ajudassem o seu mestre a distrair a cabeça. Jogava xadrez com ele e até mesmo chegou a ler algumas poesias de um antigo livro de sua senhora, pelo menos até que a memória dela se tornasse dolorosa demais para os dois suportarem. O melhor caminho, entretanto, parecia ser contar as lendas de seu país. Lewie verdadeiramente admirava os contos de tão distante terra e quase não parecia se incomodar muito com todo resto enquanto os escutava.
Numa tarde, juntaram-se para finalmente limpar a bagunça. Embora já tivessem se desfeito dos frascos e dos móveis que haviam se quebrado quando a guarda veio buscar Tiana, ainda havia uma bagunça mínima, muito ligada a desordem emocional que afligia o peito dos dois.
— Veja, Lana! — Lewie disse animadamente, enquanto puxava um amontado de tecido de um baú velho. — A flâmula de minha casa!
Com uma boa sacudida, Lewie desvelou uma bandeira verde encentrada por um caduceu pintado de negro. Abaixo da figura, um lema podia ser notabilizado: Enfermos não têm nome.
Lana soltou um suspiro.
— Eu não sabia que o senhor fazia parte de uma Casa Nobre!
— Não faço. — Lewie disse. — Mas é um erro imaginar que uma família só pode ser uma Casa se ela estiver vinculada à nobreza. No mundo fora desse palácio existem muitas famílias tradicionais que transmitem seu ofício de geração em geração. Eu, por exemplo, descendo de uma longa linhagem de médicos.
— Acho que já ouvi algo do gênero, senhor. — concordou Lana. — Lembro de ter ouvido alguém dizer que nas cidades do leste as famílias treinadas em ofícios ancestrais colocam flâmulas em suas portas para que as pessoas saibam a onde ir caso precisem ser atendidas.
Aquele conhecimento não necessariamente era fruto de uma informação recebida. Ela apenas tinha uma vaga lembrança de algo que tinha visto há muito tempo atrás, numa viagem que fizera na vida antes dessa.
— Definitivamente. Minha família costumava ser uma dessas. — a voz do médico soava muito nostálgica. — Tive um ancestral que já exercitava o ofício médico muitos séculos atrás e que vivia em Belpast, que fica muito perto do seu Norte, menina.
— Oh! Quer dizer que o senhor também tem gelo nas veias? — ela brincou.
— A essa altura, creio que meu sangue tenha se diluído tanto que seria ousado de nossa parte tentar estabelecer qualquer parentesco. — Lewie tinha um meio sorriso nos lábios. — Vale dizer que nos espalhamos bastante e que eu tive parentes que serviram tanto nos pequenos povoados no nordeste quanto nos grandes reinos que se erguem além do mar. Onde precisavam, ali estávamos.
— Enfermos não têm nome. — Lana ecoou em tom solícito.
— Você entendeu, criança. — o sorriso do doutor se alargou diante do raciocínio rápido de sua criada. — Para nós, as posses de nossos pacientes, assim como o fato deles terem vindo ou não de uma Casa Nobre, pouco importa. Ter um sobrenome que inspirasse riqueza ou nenhum sobrenome não fazia diferença se estivesse doente ou ferido. Um paciente é só um paciente e não importa quem ele é ou tenha sido antes disso.
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O Despertar da Fênix
Fantasy🥇 CLASSIFICADA COMO UMA DAS MELHORES HISTÓRIAS DE FANTASIA PELO WATTPAD FANTASIA LP EM 2022 🥇 Lana Altharian chegou a ser líder do maior Império do mundo, mas perdeu tudo o que mais importava depois da terrível traição de seu marido. Após de ser c...