23. Sede de Sangue

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A IMPERATRIZ

As chamas oscilavam em seu leito de lareira, beijando a escuridão com lábios ardentes. Além delas, tudo que havia era a indecifrável presença do feiticeiro, quase fundido com as sombras que o cercavam. Mahib Al-Sadrakka parecia tão implacável e antigo quanto o tempo, quase como se tivesse todo poder de manipular os desígnios da vida e da morte em suas mãos. Leonora sequer podia suportar olhar para ele.

— Se desejar seguir por esse caminho, deverá ter certeza. — ele disse. — A dúvida leva à falha e a falha leva à morte.

Leonora sentiu seu corpo todo arrepiar. Ela tinha plena consciência do que tudo aquilo poderia custar. Ainda sim, como ela, enquanto mãe, poderia negar o dom da vida ao seu filho?

— Devemos prosseguir. — concordou. Apesar de tentar manter a postura, ela temia que sua voz a tivesse traído. A garganta estava seca e seu coração pesava uma tonelada.

Leonora sempre acreditou que as portas da magia estivessem fechadas para ela. Apesar disso, o interesse sempre estivera lá, mesmo quando ela era apenas uma menina na casa de seu pai. Naquela época, era impossível por causa das restrições religiosas impostas por sua família. Seu casamento quase lhe ofereceu a oportunidade que ela tanto desejava, mas, mesmo que as terras laicas do Império fossem um terreno fértil para se praticar qualquer coisa, Leonora não parecia ser apta. Todos os caminhos possuíam regras que ela não conseguia honrar. Não havia espaço para alguém como ela na senda dos iniciados.

Ou assim ela pensava. Leonora começou a entender, quando Mahib Al-Sadrakka usou sua feitiçaria para salvar a vida de Ivan, que arte mágica estava ali, esperando por ela, sem precisar de nada além de sua vontade; sem nenhum relação com os complexos malabarismos que os outros homens faziam para representar os deuses e sem todas as mentiras que eram ditas sobre eles. Era simplesmente uma forma de encontrar o poder e de utilizá-lo em prol de seus desejos. No fim das contas, magia era a mesma coisa que reinar. Leonora, obviamente, tinha nascido para as duas coisas.

Então por que havia tanto medo em seu coração?

Enquanto preparava tudo, tentou afastar as dúvidas de sua mente.

Mais cedo, o feiticeiro havia desenhado um círculo no chão, todo pintado de sangue e com um intrincado símbolo em seu interior. Leonora começou a colocar um elemento em cada uma de suas pontas: primeiro, o pesado espelho de bronze, refletindo as chamas da lareira. À direita, colocou um prato de ouro com incenso ardente e à esquerda depositou uma bacia de prata com água fria, vinda da neve recém colhida. Quando tudo estava em devido lugar, ela moveu-se até o centro do círculo e ficou de pé, aguardando novas instruções do feiticeiro.

— Dispa-se. — ele ordenou com a voz grave.

As mãos de Leonora tremiam levemente enquanto ela desfazia os nós de suas vestes. O pesado robe de veludo deslizou pelos seus ombros e caiu no chão com um som surdo, revelando a ausência completa dos trajes interiores. Não vacilou quando percebeu que o feiticeiro esquadrinhava-lhe o corpo com os olhos e tentou reunir toda a sua dignidade para encará-lo de volta, apesar do desconforto.

Leonora sentiu seu estômago dando um nó assim que viu o cordeiro. Era apenas um filhote negro e de olhos dóceis, que mal se movia por causa do aperto firme do feiticeiro. Nauseada, Leonora quase virou o rosto quando a adaga de prata penetrou o coração do pobre animal, mas se obrigou a manter o olhar fixo, com os olhos bem abertos. O sangue cascateou sobre a superfície do espelho, cobrindo o bronze quase que por completo. A imperatriz sentia-se tocada por uma espécie de comiseração apática, mas, apesar da repulsa, estava também fascinada. Teve a impressão de que quase podia ver, saindo do sangue como fumaça, os fluxos de poder mágico. Tudo está em seu devido lugar, ela disse para si mesma. Não há motivo para ter medo.

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