15. Chá

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O cheiro do javali assando se propagava por todo pátio, despertando o apetite de todos que estavam nas imediações. Linete aspirava profundamente, deixando-se envolver pelo aroma, mas seu olhar era triste. As duas eram apenas crianças naquela época, então Lana não entendia como algo tão bom podia causar tanto descontentamento. Quando ela descobriu que os servos não tinham autorização para comer carne, decidiu tomar uma atitude. Não conseguiu um pedaço do javali, mas trouxe uma gorda coxa de pato para a amiga. Linete pareceu aproveitar cada segundo e ainda chupou os dedos e os ossinhos depois de terminar. Parecia tão feliz quanto o gato da rainha Fenora depois de uma soneca.

Quando descobriram, Linete foi castigada. Lana tentou intervir e assumiu a culpa, mas isso só piorou a situação. Naquela noite, Linete foi surrada por usar a boa vontade de uma senhora para satisfazer suas vontades. A garota, entretanto, não pareceu ficar triste mesmo depois que as longas marcas arroxeadas passaram a cobrir seu braço. Segundo ela, havia sido o dia mais feliz de sua vida e por um pouquinho de boa comida valia a pena ganhar uma surra.

Lana recapitulava os sentimentos daquela época, mas de forma dez vezes intensificada. Lá estava a tristeza, a indignação e a culpa. Principalmente a culpa. E essa culpa pesava tanto quanto carregar o mundo, pois se no passado Lana soubera que ninguém era verdadeiramente responsável pelo que tinha acontecido, agora ela tinha plena consciência que as coisas só tinham chegado naquele ponto por causa dela.

O limbo entre o desconhecimento e a certeza não era nada além que uma dolorosa amálgama de dúvida. O tempo parecia se enrolar com a linha que Lana fiava no fuso de suspensão, originando um fio desigual que se enroscava num carretel oscilante. Tiana ergueu uma sobrancelha e fitou a serva com ares interrogativos. Lana não costumava se comportar daquela maneira.

— Eu entendo como deve estar se sentindo, Lana, mas a ansiedade só torna as coisas piores.

Lana precisou se concentrar por um momento antes de falar, pois temia começar a chorar.

— Não sei como você consegue ficar tão calma em um momento como esse, minha senhora. — sua voz soava trêmula.

— Não é como se eu não tivesse aflita, minha cara, mas creio que o desespero apenas torna as coisas mais difíceis. Além disso, se eu entrar em pânico, quem vai te impedir de desmoronar? — Tiana deu uma piscadela gentil e tomou o fuso das mãos de Lana. — Seu fio está uma verdadeira tragédia, grosso aqui, fino ali... Você não costuma fiar desse jeito, querida. — Tiana girou o fuso e, com uma facilidade espontânea, começou a transformar o fio desigual em uma fibra de espessura perfeitamente regular. Quando se deu por satisfeita, entregou o fuso para que Lana continuasse a tarefa. — Quando Lewie chegar, estará liberada para acompanhá-lo. Mas até lá, preciso que me ajude nessa tarefa. Precisamos deixar as roupas para o bebê prontas, e eu gostaria muito de fazer um belo vestido para você usar no Festival de Cristal.

Lana assentiu silenciosamente e tentou focar em sua tarefa. Seu fio saía menos irregular agora, mas seria um despautério dizer que ela estava concentrada. Sua mente divagava pra longe e flutuava até Linete, a boa e velha amiga que em tudo a acompanhara. Rememorou seus olhos gentis, a prontidão em conceder ajuda... Talvez nada daquilo existisse mais. E o pior era saber que a vida da amiga poderia ter se extinto por causa dela, afinal tinha sido Lana quem metera Linete em toda aquela enrascada.

As notícias chegaram de forma muito fragmentada. Tudo que Lana sabia até agora era que Linete havia sido capturada com a mão na massa nos aposentos de Alina e sido castigada por causa disso, mas isso poderia significar qualquer coisa se tratando do temperamento da consorte. Pelo que ela bem sabia, Linete podia muito bem ter sido esfolada viva ou perdido os dedos. Talvez Alina tivesse sido gentil e infligido um castigo simples, como privá-la de alimentos durante uma semana, ou talvez tivesse sido extremamente rígida e exigido que a serva sofresse a Morte dos Mil Cortes. Pensar nas possibilidades era enlouquecedor e deixava Lana cada vez mais aflita. Lewie havia prometido averiguar e trazer notícias, mas até lá tudo que restava para a princesa disfarçada era uma terrível culpa e uma vontade quase incontrolável de chorar.

O Despertar da FênixOnde histórias criam vida. Descubra agora