24. Encontro Marcado

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ELBOR ALTHARIAN

Em um leito esquecido de pedra fria, a rainha de outrora dormia. Sobre o túmulo de mármore haviam esculpido uma estátua que tentava representá-la como tinha sido em vida, apesar dos olhos selados pela morte e das mãos cruzadas sobre o peito, agarrando um buquê de rosas do inverno.

O coração de Elbor se partia sempre que a contemplava. Elden não havia sido apenas a mais singular das mulheres, mas também a sua primeira e única amada. Depois de sua morte, nenhuma outra havia sido digna o bastante para sustentar a coroa de Rainha do Norte sem conspurcá-la. O túmulo dela era o único lugar do mundo onde ele conseguia se sentir confortável nos momentos de crise, por causa disso não era estranho que ele passasse tanto tempo ali. Mesmo que Elden tivesse deixado de existir, ainda restava no mundo uma pequena réstia de sua essência e isso bastava para deixar o coração de Elbor em paz.

Elden também era, de certa forma, a justificativa por trás de toda a sua fé. Se os sacerdotes estivessem corretos, havia uma parte da alma que jamais fenecia. Acreditar que o espírito de sua amada ainda estava presente no mundo e que podia ser encontrado era a única coisa que o mantinha de pé. Poucos homens tinham tido o prazer de amar uma rainha digna das canções e esse amor não costumava ser nada menos que lendário, insuscetível ao tempo e a tormenta.

Tão rapidamente quanto a chegada veio a hora de partir. Com pesar, Elbor percebeu que a luz do dia regredia e começava a ceder espaço ao crepúsculo. Era melhor começar a descer a montanha ou a neve o manteria preso pelo resto da noite. A morte não parecia de todo horrível, mas a sua função exigia o cumprimento de tarefas urgentes. Além disso, aquela noite ofereceria uma oportunidade única de rever a mulher que ele amava. Perder isso seria o mesmo que perdê-la outra vez.

Com o coração martelando nas costelas, Elbor inclinou-se sobre o esquife e deu um beijo rápido nos gelados lábios de mármore da rainha morta. Achou melhor partir sem se atrever a olhar para trás, para não ficar tentado a permanecer. Naquela altura do campeonato, os espíritos tinham quase nada a oferecer e os vivos tinham muito a exigir.

Do lado de fora da gruta, os mestres do ocaso esperavam pelo rei com suas estranhas lanternas de chama azul, prontos para seguir pelo caminho descendente. Mesmo para um nortista, aquele pequeno grupo de sacerdotes pareceria estranho. As botas pareciam tão maciças que era difícil imaginar como eram capazes de andar com elas e usavam as mãos e as cabeças nuas, com carecas tão lisas que cintilavam. Apesar disso, a parte mais destoante de sua aparência eram seus lábios, que pareciam ter sido costurados e cauterizados até ficarem selados, formando um pedaço de pele único e irregular. Suas palavras tinham sido seladas para sempre, assim como qualquer chance de obter prazer através da comida.

Aqueles homens eram ascetas veneráveis, que haviam aberto mão de qualquer contentamento para ter contato com os planos superiores. Seu dever era o mais sagrado de todos, pois nenhum outro homem sabia como abrir grutas para os mortos ou as técnicas envolvidas no processo de preparação dos corpos. Só eles conheciam os segredos necessários para guiar as almas para o Outro Mundo, mas, como acontecia com todo servo da face escura da lua, podiam pagar com a própria vida se os revelassem. O povo comum tinha um conhecimento tão escasso a seu respeito quanto contato com a sua figura. A crença popular era de que tinham transcendido qualquer necessidade humana e que viviam lado a lado com os espíritos que juraram proteger. Elbor não sabia dizer o quanto acreditava naquilo. A única coisa palpável acerca de um guardião do ocaso era o terror que ele inspirava, mesmo que não intencionalmente, e nada mais.

Como era adequado a sua posição, os sacerdotes não saudaram o rei com uma reverência. Dois deles ficaram para trás para empurrar a pesada pedra circular que selava a entrada da gruta-túmulo de volta para o seu lugar, mas o restante acompanhou o soberano pelo estreito caminho descendente. A trilha era tão apertada que precisavam descer um atrás do outro e ficava tão grudada na face da montanha que não havia nada do outro lado que pudesse salvá-los de uma terrível queda. O percurso era constituído de pequenos degraus cravados na pedra, tão antigos que haviam se desgastado até quase desaparecer. Embora os guardiões do ocaso fizessem um esforço contínuo para manter tudo limpo, a neve jamais parava de se cristalizar sobre a pedra lisa, tornando o caminho escorregadio. Havia ripas colocadas ali e aqui, com o intuito de facilitar a descida, mas tinham um aspecto tão apodrecido que Elbor teve receio de se apoiar inteiramente nelas. A dificuldade envolvida era mais do que suficiente para explicar porque as pessoas raramente subiam ali e porque tinham deixado o cume de Inah entregue aos clérigos. O rei não tinha do que reclamar, pois as lendas diziam que Seradah conseguia ser pior. Ninguém ousava escalar a segunda montanha, embora houvessem alguns contos sobre pessoas que tinham conseguido chegar ao topo e receber um presente da deusa por sua valentia. Elbor era do tipo que preferia não pagar para ver.

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