14| EM NOSSAS LÁPIDES

78 10 198
                                    

"Nós partimos sem saber onde as memórias morrem. Nossa vida desfaz-se no espaço de um suspiro. Se temos de morrer, que se viva ao extremo. Lembre-se de tudo para sacrificar tudo. Nós encaramos, nós abraçamos a vida como uma amante. Pouco nos importa que tudo queime por uma carícia, nos reencontraremos, nos reencontraremos, lá onde o nada já não é mais nada. Nós compreenderemos de onde viemos." — Vivre à en crever (Mozart L'Opera Rock)


Starfish, 2025.

Os corredores entraram no carro e permaneceram estáticos.

— Você está vivo mesmo? — Billie perguntou.

— Sinceramente, eu não sei.

Eles se encararam, ainda incrédulos. Billie tocou a face de Dandy e a sentiu morna, assim como sentiu as leves pinicadas da barba rala e a respiração dele no dorso da mão. Ela o estava percebendo diferente, como não pôde notar? A corredora tinha herdado do pai o "gene do cagaço", como gostava de se referir ao medo exorbitante de coisas do além-mundo. Acontece, que ela sempre esteve cercada de fantasmas, mas era tão medrosa que não sabia diferenciar uma pessoa morta de uma viva. Se tivesse parado para ouvir os conselhos da avó, com certeza teria sacado que o corredor no seu carro naquela noite estava morto.

Quando o viu no Sol, logo mais cedo, percebeu uma luz translúcida ao redor dele, do tipo que beirava entre o dourado espectral e o branco gelo, a aura que as almas mais puras e boas emanavam. A garota recordou que a avó havia lhe falado uma vez, enquanto costuravam peças de roupas para fazer fantasias de halloween para as crianças do orfanato, sobre as auras que os espíritos costumavam emanar. Sempre muito durona, ela passou a vida erguendo muros para passar uma personalidade forte aos outros, mas Billie tinha o coração bom e a sensibilidade de Amélia em seu âmago. Dandy era a sua graça salvadora, disso ela não tinha dúvidas.

— Nós enganamos a morte? — ele perguntou.

— Acho que não, seria sinistro demais.

— Mais sinistro do que eu estar aqui? Impossível.

— Se eu estiver apenas alucinando, acho que vou enlouquecer.

— Calma, Billie Jean — ele aproximou seus rostos e encostou a testa na dela. — Em nossas lápides, eu quero gravar, que nossos risos enganaram a morte e o tempo.

— Credo, eu amei.

Dandy a olhava com apreensão. O queixo estava cerrado e a expressão se tornou sombria. Sem precisar de mais uma palavra, ambos sabiam que a resposta definitiva os aguardava nos limites da pista. O momento se aproximava, e se conseguissem ultrapassar a pista sem que o corredor ficasse preso nela, as dúvidas estariam sanadas. Eles ainda permaneciam incrédulos, Dandy ter voltado do nada parecia fazer parte de um delírio coletivo, nascido do desejo ardente de ambos na ânsia de encontrarem um jeito de ficarem juntos. 

Seus lábios se encontraram em mais um beijo sedento e cheio de expectativas. Estavam ansiosos, encarando aquele último gesto como uma despedida que não puderam ter. Dandy segurava o rosto de Billie e não queria largá-lo, mas precisavam encarar a verdade. Ela então agarrou o volante e respirou fundo. Ao se aproximar dos limites da pista, Billie estendeu uma mão, segurou a dele com força e apertou os olhos.

— Ah, meu Deus... — ela murmurou, ao ver que ele ainda estava ao seu lado.

Dandy apertava a mão dela com tanta força que a corredora contorceu o rosto em cólera. Seu olhar esverdeado encontrou com o dela e logo sua visão anuviou. Billie pulou para o colo dele e o envolveu em seus braços, desejando não largá-lo até que todos daquela cidade confirmassem que ele era real. O carro estava estacionado um pouco mais adiante da barraca de pranchas, onde alguns hippies estavam começando a se reunir. Alguém bateu no vidro, fazendo a corredora voltar para o banco do motorista. Dandy desceu o vidro e uma jovem loira sorriu para eles.

LOVE, FUTURE & NOSTALGIAOnde histórias criam vida. Descubra agora