19| FRATURAS INTERNAS DE UMA OUTRA VIDA

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"A adrenalina continua correndo. Eu amo essa simulação na qual estamos sonhando, você não concorda? Eu não quero viver outra vida, porque essa já é muito boa, vivendo ao máximo. Então vamos lá, vamos tornar isso físico." — Physical (Dua Lipa)


No Tempo

Enquanto despencavam e giravam no grotesco redemoinho de fios dourados e vermelhos, Falke escutou os gritos de Alice ao longe. Ele se amaldiçoou por ter feito aquilo, poderia apenas ter colocado o orgulho de lado e aceitado que não estava no controle de nada. O viajante se deslocou até a loira, a pegou pelo pulso e a puxou até que ela se agarrasse a ele como um bicho-preguiça.

     — Eu não vou soltar você, nunca mais — ele murmurou.

     Os quatro começaram a entrar em queda livre como se fossem paraquedistas. Dandy sentia fortes dores abdominais, quase como se revivesse o que sentiu no acidente. Billie podia jurar que o sabor metalizado do sangue invadiu sua boca. Já Falke, ficou tonto com o misto de sensações que traspassaram seu corpo. Dandy grunhiu quando a dor se intensificou, cada parte do seu corpo gritava para não se desintegrar, mas a cólera do acidente era inevitável. 

     Ele estendeu seu braço para Billie, e quando seus dedos se encontraram, ondas de choque os envolveram, apaziguando as dores da primeira viagem no tempo. Uma intensa luz tornou tudo branco, quase a ponto de cegá-los. Se aquilo fosse o fim, Dandy desejou que acabasse logo. O rapaz teve que sentir cada parte do seu corpo reviver a dor enquanto o carro capotava. Ele e a corredora uniram as mãos e não soltaram até que tudo girou tão rápido que pareciam estar no centro do olho de um furacão.

     A cacofonia se dissipou quando todos foram ao chão. A pancada os deixou sem ar, mas aliviados por sair do tormento. Dandy tentou se erguer, mas cambaleou e caiu. Seu corpo ainda doía muito e ele sentiu que estava morrendo novamente. Antes de apagar, o corredor viu a namorada se arrastando até ele com filetes de sangue escorrendo pela boca.

     Ele quis gritar, mas apagou.

***

Starfish, 1980.

     Falke não se recordava de já ter se sentido tão cansado antes. Quando despertou, encontrou todos deitados e adormecidos no prado, inclusive o cachorro. Ainda sonolento, ele ajustou a visão e a claridade ofuscante foi se dissipando aos poucos. Percebeu que estavam largados em um jardim residencial. O som da queda de água denunciou que alguém aguava as plantas por perto, e logo o ruído de passos amassando a grama se intensificou. Zuri Martinez aguou em abundância os abetos que o pai trouxe de sua última viagem ao território asiático. 

     A garota dobrou o pequeno paredão de coníferas e se deparou com a cena inusitada. Quatro jovens e um cachorro largados no chão. Ela fechou a mangueira e encarou o único rapaz acordado, dotado de uma aparência muito peculiar. Falke sentiu um frio no estômago ao reconhecê-la, mas resolveu permanecer em silêncio. Zuri escutou a mãe chamá-la para tomar café, mas a filha gritou por cima do ombro que iria demorar mais um pouco. Percebendo que o rapaz parecia tonto, ela entendeu tudo.

     — Festa da fraternidade? — indagou.

     Falke ainda estava lento e sentiu a língua enrolar ao tentar falar.

     — Não escutei nada durante a madrugada, vocês fizeram um bom trabalho.

     Zuri acreditava que eram veteranos de alguma fraternidade ou irmandade, pois uma grande festa acontecera na noite anterior.

     — Oi... — foi a única coisa que o viajante conseguiu dizer antes de tombar.

     — Ai, meu Deus — Zuri se chocou ao ver sangue seco na boca da moça de cabelos verdes e no outro rapaz. — Vocês precisam de ajuda.

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