063

2K 161 34
                                    

LEON

Estava raivoso. Queria ofender e mandar Izabel para longe, mas não sei se conseguiria fazê-lo naquele momento.

"...temo não ser capaz de suprir suas expectativas..." tais palavras ecoavam em minha mente de maneira nebulosa.

Izabel era uma verdadeira incógnita. Uma péssima mentirosa em coisas mínimas, pois era notório que Eros e ela estavam juntos, no entanto, quando pedia uma prova de sua lealdade era me negava de imediato, mesmo sabendo que tais confirmações só iriam trazer benefícios, ela se negava. Aquilo trazia um misto de reações meu conciente. Izabel era uma mulher corajosa. Destemida.

-Tanto faz. -Falei impaciente ao deixá-la para trás enquanto passava uma das mãos em meu rosto. Minha cabeça estava ao ponto de explodir, estava virado e digamos que essa não foi uma das minhas melhores noites. Acho que posso afirmar que não foi uma boa semana em geral.

-O que é isso? -Izabel questionou num tom alto enquanto tocava em minha mochila com as pontas dos dedos. -Esse sangue é seu? -Seus olhos estavam esbugalhados e sua atenção era dividida hora para mim, hora para os objetos que eu havia esquecido no banco do carona. 

-Não é meu! -Indaguei ao tomá-la bruscamente. Circulei o carro e joguei a mochila no porta-malas, quando voltei para o carro Izabel estava parado ao lado do carro com uma feição desconfiada. -O que foi? Não vai entrar? -Falei impaciente. -Prefere ficar aqui com o Eros? Acho que se correr é capaz de alcançá-lo... -Mirei minha atenção em Izabel que no primeiro momento pareceu surpresa ao ouvir tais palavras, mas sua feição logo transformou-se em misto de fúria com certo cinismo.

-Tanto faz. -Murmurou com sarcasmo ao imitar minha frase dita minutos antes. Izabel embarcou no carro e eu fiz o mesmo, em sua explosão não havia resquício de medo ou algo do gênero. Apenas indiferença. -Eu sempre soube que vocês não estavam envolvidos com coisas lícitas. -Falou abruptamente parecendo advinhar as questões presentes em minha cabeça naquele momento. -Eu não me importo com isso. -Ele deu com os ombros. -Eu também não sou santa, estou longe disso... Cada qual com seu caos, seus pecados e sua cruz. -Izabel mexeu sua cabeça negativamente e depois direcionou seu olhar em minha direção. -Enquanto você não me machucar ou me prejudicar... Eu não me importo. Você nunca me julgou, então... Não vou julgá-lo também, Leon. -Ela esboçou um sorriso passageiro ao mirar sua atenção para frente enquanto mexia em seus cabelos.

Fiz o mesmo que ela e direcionei meu olhar para frente, sem um ponto específico. Tais palavras trouxe-me um conforto estranho, uma sensação desconhecida.

Izabel possuía uma personalidade agridoce.

-Aquele sangue era seu... -Olhei de soslaio para ela ao sentir seus dedos tocarem minha mão de maneira cautelosa. -Dói? -Senti uma leve pressão.

-Não. -Falei de forma franca ainda sem olhá-la. E realmente não sentia dor. Eu nem mesmo me lembro quando coisas como aquelas pararam de doer. Acho que apenas me acostumei a viver com aquela sensação, tudo tornou-se um hábito ruim onde não havia espaço para fraqueza ou coisas dos gênero. Eu definitivamente não poderia demonstrar fragilidade em nenhuma situação, caso contrário me tornaria um alvo fácil.

[...] Aqueles dias foram terminantemente exaustivos. Eros havia delegado inúmeras funções para mim, sei que parte delas foram denominadas apenas por capricho de sua parte, no entanto, não existia nada que eu poderia fazer naquele momento, a hierarquia sempre foi um elo sagrado naquela família. Eros agia como um garoto mimado, mas ninguém parecia notar ou se importar.

Tomei um longo banho e nesse meio-tempo pude ouvir os passos agitados de Izabel enquanto falava com outra mulher que deduzi ser uma das camareiras.

-Pedi para que preparassem algo para você comer. -Izabel apontou para uma a mesa recém posta. -Gosta de frango? -Questionou ao caminhar até mim.

-Gosto. -Falei de maneira indiferente enquanto passava a toalha em meu cabelo. -Onde colocou minha mochila?

-Ali... -Ela apontou para um poltrona que ficava ao lado da cama. Me afastei de Izabel e fui até minha mochila, revirei os bolsos e peguei um frasco de remédio. Izabel pareceu ficar exusta daquela postura passiva e sentou-se na cama enquanto observava cada movimento feio por mim. Eu ainda estava irritado e contrariado. Afinal, o que eu precisava fazer para tê-la ao meu lado de maneira concreta?

Ela apoiou as mãos em seu queixo e mantinha uma feição tão serena que chegava a ser algo ingênuo, inocente. O cabelo preso com um elástico de cor rosa deixavam parte de seus fios desalinhados. Izabel de fato era uma mulher muito atraente de diversas maneiras, mesmo que indiretamente e sem intenção de fazê-lo.

-Tem energético aqui? -Apontei para o frigobar.

-Tem... -Ela levantou e foi até o eletrodoméstico. -Mas não acho que seja uma ideia muito prudente misturar remédio prescrito com energético, Leon... Está querendo cumprir sua sentença no purgatório mais cedo? -Comentou sarcástica ao abrir a lata e solver alguns goles antes de entregá-la para mim.

Desviei o olhar e abri o frasco de remédio, coloquei três comprimidos em minha mão e os engoli em seguida. Izabel continuou parada ao meu lado e antes que eu conseguisse me afastar, senti suas mãos segurarem minha camiseta em um gesto firme, ela ergueu a mesma de formq cautelosa e pude ouvir um suspiro temeroso.

-Andou brigando?

-Isso não é nada. -Respondi num tom rude. Izabel naquele momento estava me causando uma fúria da qual eu não conseguia compreender o motivo. Eu apenas a queria longe, mas ao mesmo tempo ansiava para tê-la por perto. Droga. Tudo era consequência da aproximadamente repentina de Eros. O que ele queria? Ele já possuía tanto.

-Deixe-me ver então... -Insistiu ao agarrar com firmeza o meu braço. -Sente-se ali para que eu veja tudo. -Apontou para a cama. Suspirei pesadamente e olhei para cima em sinal de impaciência, mas aquele meu gesto pouco amigável pareceu não intimidá-la. Por fim dei-me por vencido e sentei na beirada da cama. -Tire sua camiseta... -Falou ao adentrar no banheiro, ao regressar trazia consigo uma caixa que deduzi possuir algum curativo ou coisa do feitio. Izabel ajoelhou entre minhas pernas, mas aquela sua ação não possuía maldade vinda de sua parte, apesar de mesmo que de maneira involuntária alguns pensamentos surgiram mais do que depressa em minha mente.

-O que está fazendo?

-Vou colocar esses adesivos anti-inflamatório em suas costas e no seu abdômen... Estão avermelhados... -Falou entretida. -Sabia que mesmo sem possuir um corte ou uma ferida aparente, pode ocasionar uma inflamação? Ou até mesmo uma febre?

-E como sabe disso? -Estava atento aos toques.

-Meu ex-namorado treinava e quase sempre chegava assim... -Respondeu com naturalidade.

Izabel mantinha gestos cautelosos enquanto passava com delicadeza uma pomada em uma de minhas mãos onde haviam pequenos hematomas.

Aquele "cuidado" acarretou em uma sensação nostálgica. Lembro-me com clareza de chegar da escola e encontrar meus pais naquela mesma posição. Mesmo irritada e preocupada pelo estado caótico no qual meu pai sempre estava envolto, minha mãe zelava por ele enquanto o xingava contrariada. Meu pai por outro lado, mesmo carregando uma fama completamente depreciativa, ouvia as ofensas em silêncio enquanto sorria de maneira saudosa. Acho que aquilo definiria o amor que ambos nutriam pelo outro.

-...tente tomar seus compridos com água de hoje em diante, ok? -A voz de Izabel me arrastou novamente para a realidade. -...e depois de comer quero que vá descansar e dormir um pouco... -Ela continuou a falar.

Muitas mulheres já haviam passado pela minha vida. Poucas duraram. Poucas aguentaram. Mas... Mas acho que Izabel parecia ser uma surpreendente exceção.

Eu definitivamente não permitiria que Eros a tomasse de mim.

DinastiaOnde histórias criam vida. Descubra agora