Ramo azul

6 0 0
                                    

Os aplausos soam mais distantes à medida que as cortinas caem. O meu sorriso cai com elas e deixo que os meus ombros relaxem. Regresso ao camarote em silêncio, sozinha e rodeada de flores. Agarro no primeiro cartão que vejo. Não reconheço o nome. Um ramo de flores azuis a chama a minha atenção, distinguindo-se de um mar de cor-de-rosa e vermelho. Em vez de um cartão, vem acompanhado de uma fotografia. Sorrio de imediato ao reconhecer-me, quando pequena, no colo da minha avó. Ambas coradas e sorridentes, pintadas pelo sol. O ramo e a fotografia mostram orgulho, orgulho que ela sempre teve, mesmo quando era apenas uma criança com sonhos. Estaria aquela criança orgulhosa de mim também ? Terei realizado os seus sonhos ? Para onde foi aquele sorriso ? Tão meu, tão distante e tão estranho.

O ramo azul aperta-se contra o meu peito enquanto me encontro comigo própria, com uma versão pequena de mim. Avaliámo-nos uma à outra. Os mesmos olhos escuros e a mesma face rosada. Ao olhar à minha volta, percebo que ela estaria orgulhosa. Tenho um palco de verdade, maior do que o pátio da avó. Recebo aplausos, flores e convites. E ainda assim, sinto que se perdeu algo entre a menina da fotografia e quem sou hoje. Sinto falta do silêncio que existia depois de um espetáculo privado de mim para mim. Recolho os cartões e guardo-os. Colo a foto no espelho iluminado e encaro o meu reflexo. Aqui estou, onde sempre quis estar, onde sempre soube que chegaria. E nunca me senti tão vazia, nunca me tinha apercebido de que estava a viver um sonho, o meu sonho. Nunca me vi como uma realização daquela criança de olhos brilhantes.

Nessa noite, sonhei-me no pátio antigo, sob a luz pública, a dançar mais uma vez. As noites que se seguiram pintavam a realidade com as mesmas cores. Em todos os aplausos sentia a presença da sonhadora que fui e que agora dançava comigo. Nos holofotes, encontrava a fraca iluminação daquela rua. Em cada palco, sentia o frio reconfortante do pátio da avó e então passei a viver e a sonhar.
Voltei a sonhar, logo, vivi.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Dec 17, 2021 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Foda-seOnde histórias criam vida. Descubra agora