A noite sempre me encantou de uma forma singular.
As árvores que balançam em harmonia com o vento, a água morta que escorre por entre os dedos como música pelos ouvidos.
Os pequenos aviões no céu cheio de nuvens da cidade, roncam seus motores colossais.
As luzes que nos tiram da escuridão também ofuscam as maravilhas estelares que temos o privilégio de enxergar.
Os bebuns da esquina, boêmios por natureza, choram por suas vidas num copo de cachaça.
Os pés de manga que finalmente começam a dar seus frutos de fim de ano, conduzem uma sinfonia de sons estrondosos nas telhas do vizinho na calma noite.
É de conhecimento geral a dúvida do porquê estamos aqui.
Mas é coragem de poucos procurar a resposta.
E eu procuro-a todos os dias, por mais doloroso e desenperançoso que possa parecer.
Num passeio pelas ruas amarelas da cidade, existia uma que me intrigava, não exatamente a rua, mas um poste de luz que havia alí.
Os fótons que aquele poste emanava para o mundo, pareciam diferentes dos outros, pareciam que podiam mexer com você, te deixar tenso, com uma iminente sensação de ameaça e perigo constante.
Sempre em que passava pelo poste, ele apagava-se, ou acendia-se, como se soubesse que eu estava alí, e estivesse me observando.
Era um poste público, então, não poderia ter um detector de movimento, até porque outras pessoas passavam e ele nada fazia.
E é deveras estranho um defeito acontecer tão precisamente enquanto uma única pessoa anda sob esta máquina.
Este evento acontecia sempre que passava pelo poste, e apenas comigo, diversas vezes, como se ele tivesse me escolhido para algo que tenho medo de saber o que é, ou talvez, ele estivesse tentando se comunicar comigo de alguma forma.
Sentia um arrepiar profundo na espinha vertebral todas vezes que passava em tal lugar, era uma sensação grotesca que só eu enxergava, quando o poste acendia, a luz cegava minha mente, e quando ela apagava, eu perdia-me dentro de mim.
A partir destes eventos, me senti o homem mais ridículo do mundo, um covarde.
Como poderia eu ter medo de um poste? Como poderia eu ficar tão profudamente pertubado como apenas uma luz piscando?
Não sabia como, apenas sabia que tudo isso havia acontecido.
É quando você duvida dos seus sentidos, é quando você não sabe mais o que é real que o verdadeiro desespero toma conta.
Eu já havia visto isso em outros antes, mas nunca imaginei tal terrível condição, cair sobre mim.
Eu, que admirava tanto a noite, que a achava tão bela em suas complexidades, agora só enxergo um poste que apaga e acende.
Choro enquanto escrevo essas palavras doloridas que apenas um louco entenderia de verdade.
Todas as noites que vou dormir eu vejo a lâmpada acender e apagar, repetidamente, não durmo mais.
Vejo o dia amanhecer, a noite cair, e o poste continua lá, ao longe, ainda me observando como um predador mental, talvez mais parecido com um torturador, que um caçador.
Essas luzes que piscam, eu não aguento mais elas, eu não aguento mais piscar, nem respirar, nem dormir.
Eu não aguento mais viver!
Maldito seja o dia que ousei pensar sobre o porquê dum poste acender e apagar!
Maldita seja a dúvida!
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Pérfida Felicidade
PoesiaA tragédia de nascer, a odisséia de viver, a visão do homem sobre si mesmo, o sentimento sufocante, corrosivo e incessante no peito que é respirar. Deus? Por que me deste este presente? Tão lindo, tão misterioso e efêmero, que é a vida... As vezes o...