I - Se eu lhe disser que há de comer

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Urd Lewis tinha vinte e três anos e esta era a última chance que tinha para se casar

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Urd Lewis tinha vinte e três anos e esta era a última chance que tinha para se casar. Naquele ano, há seis anos, a garota ainda tinha esperanças de se tornar uma senhora de terras e dar orgulho à família. No entanto, pelos últimos três anos, os trabalhos braçais – assumidos por ela depois que a perna do pai foi explodida em uma mina – lhe conferiram uma aparência assustadora.

Tinha um bom conjunto de músculos e isso não contribuia em nada na fama que fazia com os homens, homens estes que começara a odiar desde o primeiro dia de trabalho, principalmente depois de tornar-se noiva de um ministro aos dezesseis anos. O casamento não tinha vingado, o homem morreu uma semana antes do acontecimento e Urd tornou-se falada na cidade. Nos primeiros meses depois que assumiu as terras da família, foi um pouco doloroso ouvir os comentários, mas aos poucos se acostumou a não ouví-los, e agora era como se as pessoas não existissem.

Ao olhar-se no espelho naquela manhã percebeu que o hematoma conferido pelo soco dado por seu pai dias atrás aos poucos desaparecia, tornando-se algo mais parecido com uma sombra. Bratt Lewis era um homem de posses, a extração de pedras preciosas em grande escala no Reino de Rosefall era de sua responsabilidade, e não ter pleno controle sobre o próprio dinheiro lhe aborrecia.

 Havia a criação de ovelhas também que, na verdade, era a herança de sua esposa, mas Mina Lewis era incapaz de erguer um dedo para ir contra as escolhas do marido. Apesar de amar infinitamente a mãe, a moça não concordava com a posição condescendente dela, que iam desde empregada da casa a assistir o filho de cinco anos ser espancado e não dizer uma só palavra sobre isso.

Mas Urd oferecera o emprego de administrar a criação ao tio, pois preferia ser responsável pela mineração de pedras preciosas a passar o dia no pasto sob o sol guiando aqueles animais de um lado para o outro. A mina de hematita ia muito bem e as exportações lhe deram bons lucros, rendendo-lhe uma pequena – e secreta – fortuna que poderia ser-lhe útil no futuro. No entanto, o esforço físico de carregar rochas e quebrar pedras e lapidá-las lhe dera parte do porte intimidador que aos poucos passou a se acostumar e exibir com orgulho, ao menos isto era parte do que a mantinha longe de homens interessados em sua mão, isto e a fama que fizera graças aos boatos.

— Senhora? — Virou-se abruptamente para ver quem lhe chamava, encontrando Madd parada sob o umbral que ligava o hall à antessala.

— Sim? — As correntes e facas do cinto tilintaram quando se moveu, atraindo os olhos de Madd para sua cintura por alguns instantes.

— Seu pai está lhe chamando — a voz falhou por um instante e a moça levou a mão para segurar a ponta das tranças inconscientemente.

— Madd.

Urd estava – de repente – parada perto demais, as figuras protegidas pela parede de pedra que vedava a visão de quem quer que chegasse pelas costas sem aviso. A Jovem-Mestra ergueu a mão e tocou o rosto de Madd, fazendo-a olhar para cima, a pele de veludo âmbar contrastava debilmente com a indelicadeza de seus dedos calejados.

— Está tudo bem — Madd sussurrou apesar do brilho úmido nos olhos, cerrando as pálpebras para absorver o toque em seu rosto.

— Eu sei mas, se precisar de qualquer coisa, pode contar comigo — Urd se curvou e beijou a testa da garota, sentindo o gosto de suor que salgara-lhe os lábios.

Madd não respondeu mas passou os braços ao redor da cintura da Jovem-Mestra, puxando-a para si com tom de inesperada posse, os lábios tremiam enquanto se esforçava para não chorar. Largou-a de repente como que em brasa, alisando o vestido e se virando, a deixa para que Urd a seguisse. Passaram pela sala do schloss, indo para o corredor – se dobrasse a esquina no fim dele poderia fugir para seu quarto – de salas onde ficavam quatro cômodos sem utilidade, a biblioteca da família e o escritório de seu pai, a última porta no final do corredor. Madd parou e o consenso pelo silêncio foi mútuo, caminhava como um soldado quando cruzou o espaço, as mãos no cinto de couro com a empunhadura da faca de caça batendo vez ou outra no antebraço, coberto com protetor de couro de vaca.

— Já falei que não quero minha filha se comportando e se portando como um soldado quando estiver à minha vista — o homem cuspiu, estava parado de costas para ela, a perna de metal rangeu quando se virou.

Bratt Lewis tinha dreads nos cabelos, o penteado típico dos roseanos – pelo menos dos homens –, metade do rosto também era queimado e ajuntava-se em uma cicatriz feia que ia desde o pescoço até a testa por todo o lado direito, a mão apoiava-se debilmente em uma bengala com o símbolo da família.

— Se me chamou pra dizer pra levar as crias pra baia de cima já cuidei disso — murmurou Urd.

— Te chamei pra mandar se limpar.

A jovem franziu as sobrancelhas e se aproximou do pai, parando a uma distância respeitável com medo do que o súbito movimento pudesse representar.

— Achei que confiava em mim para cuidar dos negócios, é meu último ano, o resultado será o mesmo dos outros.

— Não é um pedido Urd, é uma ordem — Bratt chegou para o lado, jogando-se na cadeira de couro, encarando uma chama que tremulava na vela que usava para ler um livro grosso, o livro razão da Fazenda.

— Os negócios vão bem, eu-

— Faça seu trabalho de arranjar um marido e ele ficará encarregado de garantir que os negócios continuem indo bem.

— Não posso me casar.

— Pode e irá, é tanto minha propriedade quanto essas terras, e a quero casada e digna do sobrenome que carrega! — Ele rugiu e espalmou a mesa.

Urd sentiu as lágrimas de ódio chegarem aos olhos.

— Não ouse me contestar, se houver merda e eu lhe disser para comer terá de fazê-lo se deseja permanecer em minhas terras.

Ela parou abruptamente no meio de um argumento que seria ignorado, e a semente do ódio inflamou dentro de si, fazendo-a abrir a boca para buscar por mais ar. Um sorriso maníaco enrijeceu-se nos lábios quando deu um passo para trás, antes de sair da sala sem dizer mais nada.

***

N/A: Olá! Sejam bem-vindos a mais uma história! Espero que gostem, não esqueçam de votar e comentar, em breve tem mais capítulos vindo aí <3

De Trevas e Sangue  [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora