X - Noite de balbúrdia

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A noite estava fria quando Urd cruzou as portas de saída do salão de baile. A lateral do palácio era diferente dos fundos, haviam alguns arbustos e convólvulos pelas paredes, haviam também pequenas árvores de oleando e bancos de madeira recém-polida. O céu noturno reluzia solidamente sobre sua cabeça, o ar estava parado, como se esperasse que algo acontecesse.

Urd Lewis ouviu vozes e decidiu caminhar para o outro lado, não queria ser pega ouvindo uma conversa que nem desejava ouvir. Sua visão estava parcialmente turva pela ação do vinho e estava sentindo um pouco de frio, culpou-se a si mesma por não ter levado um casaco. Caminhou em meio a trilha de oleandros que terminava em um pequeno bosque, ouvindo mais burburinhos vindo do centro das árvores. Acabou apurando os ouvidos ao ouvir o sombrio retinir metálico que bem conhecia, o desembainhar de uma faca recém-polida e afiada encontrando-se com o couro, empertigou-se.

Não haviam armas à mão, mas mesmo assim entrou no labirinto, ouvindo um soluço morno cortar o ar da noite. Tateou para marcar o caminho, apurando ainda mais os ouvidos e quase retornou quando viu a cena. Havia uma menina encostada na parede do labirinto, a luz dos oleandros luminosos vinha de fora e dançava pela pele escura como estrelas brilhando no céu, um homem bem-vestido empurrava-a, a mão em sua coxa exposta, puxando as camadas de seu vestido vermelho para cima. Então ouviu o soluço outra vez e os ombros da garota tremeram no escuro, o movimento das sombras alarmou seus sentidos, fazendo-a se esconder em meio às árvores, abaixando-se para retirar os sapatos.

Havia aprendido algumas táticas de luta com Raykk e, apesar de não ser anormalmente forte, era uma boa lutadora. Aproximou-se devagar, sua presença ainda se encobria pelo breu.

— Por favor, não! — A garota começou a chorar, mas o homem apenas riu, parecia impossibilitado de falar.

Urd apareceu finalmente e a jovem ergueu os olhos alarmada, levantou as mãos em tom de rendição e depois levou um indicador aos lábios, pedindo silêncio. A garota entendeu logo, fechando os olhos e virando a cabeça para o outro lado enquanto o homem segurava-a pelo pescoço. Urd caminhou em sua direção e moveu-se no automático, puxou-o para trás, fechou o braço na garganta dele e levou-o, fechando-o numa chave letal. O homem gemeu e segurou seu antebraço, tentando se livrar, a cabeça balançando de um lado para o outro enquanto Urd o apertava em um silêncio aterrador. Ele tentava falar, mas o aperto era demais, as pernas espasmódicas tremiam enquanto ele ao pouco perdia as forças.

— Não! — A garota gritou da escuridão e Urd soltou-o, a moça surgiu à sua frente e caiu de joelhos na frente do homem, chacoalhando-o pelos ombros. — Quem o mandou?!

— O demônio — ele gemeu.

Não houve tempo, ele se levantou por um momento, Urd viu o brilho no escuro, mas não conseguiu fazer nada. A faca rompeu o tecido de sua calça e sua carne, sangue verteu e manchou de vermelho as mãos e a roupa do homem, que em seguida caiu. Urd gemeu alto e perdeu as forças, caindo para trás, o cóxis batendo ruidosamente contra o solo.

— Ah meu deus, ele se matou! Você está bem?! — A moça parou ajoelhada ao seu lado, ainda não podia ver seu rosto.

— Ele machucou você? — Urd murmurou, enquanto fazia força na própria coxa para parar o sangue, a menina colocou a mão dela sobre a sua.

— Eu estou bem, mas você precisa de ajuda, vamos!

Ela enlaçou a cintura de Urd com o braço e pôs de pé com uma avidez admirável, Urd passou o braço por seus ombros e mancou no caminho por de onde viera, deixando o corpo do homem para trás.

— Estes babões, deviam contratar assassinos mais competentes — a jovem ciciou. — Aí meu deus, por favor me perdoe por isso, vou mandar alguém cuidar de você.

Urd quis protestar, mas a dor irradiou subitamente por todo o corpo, fazendo-a se curvar e parar, a moça ao seu lado segurou-a num abraço. Quando a visão clareou levantou a cabeça, vendo a silhueta de dois guardas.

— Alteza! — Eles gritaram juntos e Urd ouviu lâminas sendo guardadas.

A calça de Urd estava empapada de sangue, sentia tudo estremecer ao seu redor.

— Minha amiga precisa de ajuda! Tem assassinos no palácio!

O homem mais alto e corpulento fez sinal para o jovem ao seu lado, franzino e com uma farda de um cargo abaixo do seu que Urd não reconheceu naquelas condições. O jovem correu em direção ao castelo e o homem se aproximou, ajudando a moça a segurar Urd.

— Consegue me ouvir, filha? — Ele murmurou e deu dois tapinhas no rosto dela, mas Urd não reagiu, não conseguia dizer nada.

— Por favor Chain, ela me salvou — a moça balbuciou com voz chorosa e rouca.

— Vamos levá-la para dentro.

Urd suspirou, o corpo se tornou subitamente pesado demais, o mundo estremeceu. Aos poucos tudo se tornou um borrão, e a noite desapareceu.

De Trevas e Sangue  [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora