XIX - Inimigo cortês

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Os dois voltaram pelo mesmo caminho de onde vieram, a escuridão parecia menos densa ao redor deles, mas Urd ainda teve de aceitar a mão de Gawain para não se perder. Ele permanecia em silêncio, a única coisa que denunciava sua presença era sua mão gelada e as lufadas de ar que soltava vez ou outra na direção de Urd, como se fosse um dragão usando o próprio fogo para fazer uma verificação de segurança.

— Sobre o que vocês conversaram? — Ele tentou soar despreocupado, mas a voz parecia tremer.

— Sobre como nos conhecemos.

— E o que você disse a ela?

— Que me apaixonei quando você colocou o peito de uma mulher na minha boca, claro — Urd riu com desdém, mas sem humor.

— É sério Urd, eu preciso saber, sabe que é mais por você do que por mim — ele gemeu e a puxou, Urd sentiu as costas baterem contra a parede da escadaria e arfou. — Não sei por que exatamente estou fazendo isso, mas é algo que acho que devo fazer — ele suspirou e Urd sentiu a respiração quente colidindo com a pele sensível de seu pescoço e estremeceu.

— Pare com todo esse drama e me solte, pensei que tínhamos formalidades a cumprir hoje.

— Tem razão.

Urd só percebeu que ainda davam as mãos quando ele se afastou e, mesmo após o calor de seu corpo tê-la abandonado, suas mãos permaneciam unidas. Eles terminaram de subir as escadas e Urd preferiu continuar do mesmo jeito, sentia-se confiante assim, como se ninguém pudesse contestar qualquer ação dos dois. Porque, afinal, eram eles um casal apaixonado, não? Enquanto lutava para não rir sozinha de seus próprios pensamentos, sentia a inércia do abismo que se abrira inesperadamente entre eles, como se estivessem – subitamente – em cosmos diferentes.

— Vamos até a sala de reuniões, temos convidados — Gawain informou.

— Convidados? Não sei se posso lidar com isso — Urd se alarmou, um nervosismo que não era de seu feitio, correu e segurou o pulso de Gawain com a outra mão, mas ele permaneceu no mesmo passo.

— Pode apenas ficar sentada e assistir, já havia avisado os dois que estaria lá, querem muito conhecê-la.

— E de onde eles vêm?

— Ungryr.

— E há algo que eu deveria saber sobre eles?

— Esta é sua missão de hoje, descobrir se há algo que seu noivo devesse saber sobre eles.

Urd não ousava experimentar a palavra, sentia a acidez dominar a boca somente com o pensamento de fazê-lo. Sentiu-se compelida a não procurar mais por ajuda, continuando pelos corredores intermináveis de pedra avermelhada, com janelas imensas com vidro do chão ao teto, o carpete mais nobre que toda pedra que já tocara. Sentia-se num instante miserável naquele ambiente, aquele matadouro não era seu lugar, mas era onde deveria estar, precisava trabalhar com Gawain se quisesse ser livre no futuro.

— Certo, vamos lá meu amor — Gawain sorriu para ela, um sorriso que não chegava aos olhos, e abriu a porta que nem notou já estar lá.

A sala de reuniões era imensa, era circular e as janelas desta vez limitavam-se apenas ao centro das paredes. As partes sem janelas eram tomadas de estantes de pergaminhos e pilhas de documentos, um mapa do continente tomava a ala de destaque à sua direita, perto de algumas poltronas e estava repleto de marcações. No centro da sala havia uma mesa de tampo redondo, cadeiras de espaldar alto tumultuavam-se ao redor e, na extremidade oposta, haviam duas pessoas.

De Trevas e Sangue  [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora