Gawain parou ao lado de sua cama e a observou por um momento, um braço cruzado no peito enquanto o outro estava reto, mordia a ponta do dedo. Ele então suspirou, incomodado com o olhar silencioso de Urd.
— Não vai dizer nada? — Perguntou ele.
— Você que quer falar comigo, o que eu deveria dizer Alteza?
— Por favor, não me chame de Alteza.
— E do que eu deveria chamar você?
Ele baixou os olhos e Urd acompanhou seu olhar, vendo que ainda estava descoberta, puxou o cobertor para cima.
— Me chame de Gawain.
— Não quero que pense que me aproximei de você por interesse.
— Não pensarei, porque quem se aproximou primeiro fui eu, quando te vi sozinha naquela noite foi o que fiz.
Urd revirou os olhos.
— Chegue com essas palavras doces, deveria ter me falado que era o filho do rei.
— Não teríamos nos tornado amigos, olhe para você agora!
— Como eu disse, não crescerão chifres e rabo em você só porque é príncipe.
Gawain a encarou intensamente e então riu, fazendo-a arquear a sobrancelha.
— O que foi?
— Não é nada, apenas imaginei-me por um momento com rabo e chifres.
Ele deu a volta na cama, puxando uma cadeira para perto, se sentando ao lado de Urd.
— Como se sente? — sussurrou, segurando a mão dela.
— Como alguém que foi esfaqueada.
— Obrigado.
— Por quê?
— Por ter salvado minha irmã, eu não pude protegê-la, mas você o fez, então obrigado — uma lágrima desceu pelo rosto dele e Urd tirou a mão de sob a dele, estendendo os dedos para secá-la.
— Faria isso por você também — ele deitou a face em sua palma, fechando os olhos, virando-se por um momento para beijar a mão dela.
— O que devo fazer? — Gawain sussurrou.
— Sobre?
— Sobre você.
— Apenas me deixe ir embora e ficaremos quites, mas se quiser assinar minha emancipação também seria legal da sua parte.
Gawain riu outra vez, afastando-se para olhar para ela, um semblante alarmado apoderou-se dele.
— Tenho uma proposta.
— Que seria?
— Case-se comigo.
Gawain olhou para baixo e uma risada rasgou a garganta de Urd que se curvou, olhando-o com desdém.
— Está de brincadeira com a minha cara?
— Não — ele se curvou outra vez, apoiando os antebraços nos joelhos, os cabelos caíam ao redor do rosto dele num caos completo.
— E então? Você sabe que eu... — Ela não completou a frase, nunca teve coragem de fazê-lo, mas sabia que Gawain entenderia a que se referia.
— Que gosta de mulheres?
Urd meneou a cabeça afirmativamente.
— Sabe que este é um dos meus motivos para desobedecer meu pai, não sabe?
— Sei, sei desde a noite em que nos conhecemos, mas estou lhe fazendo este pedido exatamente por isto.
— O que está sugerindo?
— Se meu pai desconfiar de uma coisa dessas poderá mandar lhe prender, ou acha que ele não irá investigar sobre as intenções da salvadora de seu maior tesouro?
— Não precisará de muito, todos viram Madd e eu discutindo no baile.
— Por isto precisa de um álibi.
— Não posso pô-la em risco.
Gawain segurou sua mão.
— Procurei por Madd depois do baile, parece que ela encontrou um noivo. Eu não queria te dizer isto assim, mas acredite em mim, eu...
Urd Lewis parou de escutá-lo, olhando sombriamente para as mãos unidas sobre o lençol. Conhecia Madd desde os oito anos, ela fora seu primeiro amor, seu primeiro beijo, sua primeira fuga noturna foi para vê-la. Não conseguia reconhecer que a estava perdendo, não conseguia aceitar que fora superada tão fácil, não conseguia. Engoliu o choro, mesmo sabendo que ele dificilmente sairia, e apertou a mão de Gawain de uma forma que sua mãe reprovaria.
— Preciso pensar.
Gawain ficou sério, cobrindo a mão dela com sua outra vez.
— Podemos fazer um contrato, posso te dar a liberdade que quer.
— Não é a liberdade que quero, mas se voltar para casa nestes termos meu pai me venderia a quem quer que me quisesse.
— Não acho que permitiria.
— Ele já tentou uma vez — Urd ergueu o braço direito e mostrou a pele enrugada e com um tom diferente de marrom, mais claro e rosado, onde a água fervente a escaldara quando tinha dezesseis anos.
— Se confiar em mim nunca permitirei que ele chegue perto de você outra vez. Poderá ser meu braço direito e me ajudar com as táticas de guerra.
A porta se abriu, Gaye apareceu e ficou parada sob o umbral, encarando suas mãos unidas que mais pareceram um delírio graças a rapidez com que as separaram.
— Precisa sair Gawain, é hora de Urd trocar os curativos — ela murmurou.
— Certo, mas pense nisso.
Ele se despediu com um breve aceno de cabeça e se encaminhou para porta, sorrindo para a irmã antes de sair. Gaye riu atordoada e se aproximou da cômoda, procurando por ataduras novas. Ela vestia agora um vestido leve de camurça verde e sapatilhas, os cabelos volumosos estavam trançados nas laterais e caiam em suas costas, seu perfume era doce e sóbrio.
— Nunca o vi sorrindo assim, deveria me contar o segredo.
— Ele é um homem como qualquer outro — Urd abaixou o cobertor, deixando Gaye começar a tirar a faixa.
— Um imbecil?
— Ele não é tão imbecil, mas gosta de ouvir só aquilo que quer, é bem fácil ganhar a confiança de pessoas assim.
.
— Do jeito que fala parece prestes a dar um golpe de estado — Gaye riu.
— É, pode ser — gargalhou. — Mas eu não ousaria.
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De Trevas e Sangue [CONCLUÍDO]
Fantasía[POLÍTICA] [DRAMA] [BAIXA FANTASIA] [LGBTQIA+] [+18] Quando a perna de seu pai explodiu há seis anos, Urd Lewis foi obrigada a tomar as rédeas da família para que pudessem continuar vivendo. Em um mundo imperado pelo machismo e a opressão, a gar...