XII - Acordo de "liberdade"

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Gawain parou ao lado de sua cama e a observou por um momento, um braço cruzado no peito enquanto o outro estava reto, mordia a ponta do dedo. Ele então suspirou, incomodado com o olhar silencioso de Urd.

— Não vai dizer nada? — Perguntou ele.

— Você que quer falar comigo, o que eu deveria dizer Alteza?

— Por favor, não me chame de Alteza.

— E do que eu deveria chamar você?

Ele baixou os olhos e Urd acompanhou seu olhar, vendo que ainda estava descoberta, puxou o cobertor para cima.

— Me chame de Gawain.

— Não quero que pense que me aproximei de você por interesse.

— Não pensarei, porque quem se aproximou primeiro fui eu, quando te vi sozinha naquela noite foi o que fiz.

Urd revirou os olhos.

— Chegue com essas palavras doces, deveria ter me falado que era o filho do rei.

— Não teríamos nos tornado amigos, olhe para você agora!

— Como eu disse, não crescerão chifres e rabo em você só porque é príncipe.

Gawain a encarou intensamente e então riu, fazendo-a arquear a sobrancelha.

— O que foi?

— Não é nada, apenas imaginei-me por um momento com rabo e chifres.

Ele deu a volta na cama, puxando uma cadeira para perto, se sentando ao lado de Urd.

— Como se sente? — sussurrou, segurando a mão dela.

— Como alguém que foi esfaqueada.

— Obrigado.

— Por quê?

— Por ter salvado minha irmã, eu não pude protegê-la, mas você o fez, então obrigado — uma lágrima desceu pelo rosto dele e Urd tirou a mão de sob a dele, estendendo os dedos para secá-la.

— Faria isso por você também — ele deitou a face em sua palma, fechando os olhos, virando-se por um momento para beijar a mão dela.

— O que devo fazer? — Gawain sussurrou.

— Sobre?

— Sobre você.

— Apenas me deixe ir embora e ficaremos quites, mas se quiser assinar minha emancipação também seria legal da sua parte.

Gawain riu outra vez, afastando-se para olhar para ela, um semblante alarmado apoderou-se dele.

— Tenho uma proposta.

— Que seria?

— Case-se comigo.

Gawain olhou para baixo e uma risada rasgou a garganta de Urd que se curvou, olhando-o com desdém.

— Está de brincadeira com a minha cara?

— Não — ele se curvou outra vez, apoiando os antebraços nos joelhos, os cabelos caíam ao redor do rosto dele num caos completo.

— E então? Você sabe que eu... — Ela não completou a frase, nunca teve coragem de fazê-lo, mas sabia que Gawain entenderia a que se referia.

— Que gosta de mulheres?

Urd meneou a cabeça afirmativamente.

— Sabe que este é um dos meus motivos para desobedecer meu pai, não sabe?

— Sei, sei desde a noite em que nos conhecemos, mas estou lhe fazendo este pedido exatamente por isto.

— O que está sugerindo?

— Se meu pai desconfiar de uma coisa dessas poderá mandar lhe prender, ou acha que ele não irá investigar sobre as intenções da salvadora de seu maior tesouro?

— Não precisará de muito, todos viram Madd e eu discutindo no baile.

— Por isto precisa de um álibi.

— Não posso pô-la em risco.

Gawain segurou sua mão.

— Procurei por Madd depois do baile, parece que ela encontrou um noivo. Eu não queria te dizer isto assim, mas acredite em mim, eu...

Urd Lewis parou de escutá-lo, olhando sombriamente para as mãos unidas sobre o lençol. Conhecia Madd desde os oito anos, ela fora seu primeiro amor, seu primeiro beijo, sua primeira fuga noturna foi para vê-la. Não conseguia reconhecer que a estava perdendo, não conseguia aceitar que fora superada tão fácil, não conseguia. Engoliu o choro, mesmo sabendo que ele dificilmente sairia, e apertou a mão de Gawain de uma forma que sua mãe reprovaria.

— Preciso pensar.

Gawain ficou sério, cobrindo a mão dela com sua outra vez.

— Podemos fazer um contrato, posso te dar a liberdade que quer.

— Não é a liberdade que quero, mas se voltar para casa nestes termos meu pai me venderia a quem quer que me quisesse.

— Não acho que permitiria.

— Ele já tentou uma vez — Urd ergueu o braço direito e mostrou a pele enrugada e com um tom diferente de marrom, mais claro e rosado, onde a água fervente a escaldara quando tinha dezesseis anos.

— Se confiar em mim nunca permitirei que ele chegue perto de você outra vez. Poderá ser meu braço direito e me ajudar com as táticas de guerra.

A porta se abriu, Gaye apareceu e ficou parada sob o umbral, encarando suas mãos unidas que mais pareceram um delírio graças a rapidez com que as separaram.

— Precisa sair Gawain, é hora de Urd trocar os curativos — ela murmurou.

— Certo, mas pense nisso.

Ele se despediu com um breve aceno de cabeça e se encaminhou para porta, sorrindo para a irmã antes de sair. Gaye riu atordoada e se aproximou da cômoda, procurando por ataduras novas. Ela vestia agora um vestido leve de camurça verde e sapatilhas, os cabelos volumosos estavam trançados nas laterais e caiam em suas costas, seu perfume era doce e sóbrio.

— Nunca o vi sorrindo assim, deveria me contar o segredo.

— Ele é um homem como qualquer outro — Urd abaixou o cobertor, deixando Gaye começar a tirar a faixa.

— Um imbecil?

— Ele não é tão imbecil, mas gosta de ouvir só aquilo que quer, é bem fácil ganhar a confiança de pessoas assim.

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— Do jeito que fala parece prestes a dar um golpe de estado — Gaye riu.

— É, pode ser — gargalhou. — Mas eu não ousaria.

De Trevas e Sangue  [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora