Encontro, tons terrosos e chaveiro de lhama

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(Capítulo da SEGUNDA versão da história)

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  Três dias depois eu estava indo rumo a uma clínica de reabilitação para pintar uma das salas da ala infantil. Seria algo fácil e rápido — eu poderia começar de manhã e seguir meu ritmo de forma tranquila que ainda assim tudo estaria pronto antes do final da tarde.

Eu estava oficialmente de férias agora e, pra falar a verdade, os últimos dias tinham sido de pura frustração. Ver meu pai chegar do trabalho todo chateado na quarta-feira não ajudou muito com meu humor e ansiedade. Fiquei com muito medo de ouvir a notícia de que ele tinha se demitido ao cansar de ter que aguentar o patrão abusivo.

Ignorei o gato preto me olhando na janela e chequei meu celular outra vez sentindo um certo calafrio. As meninas logo logo iriam inventar um rolê para irmos e eu ainda nem tinha uma desculpa decente para não ir — com tudo que estava acontecendo comigo, a confusão que estava meus sentimentos e emoções, apesar de eu amar sair com elas, eu não estava no clima para passear e fingir que tudo estava bem. Eu sairia no sábado com Maria e as meninas e só.

Eu larguei o pincel por um momento e coloquei as mãos na cintura depois de guardar o celular no bolso da calça, tirando a mecha solta de cabelo do meu rosto com a mão suja.

– Espero que você tenha vindo pra limpar as energias negativas que me cercam. – falei para o gato do outro lado do vidro – E me dar boa sorte, caso contrário pode ir embora. E nem ouse miar pra mim.

Era como um presságio o fato de ele estar do lado de fora, do outro lado da janela. Separado de mim por um vidro.

Desejei ter uma tela comigo para pintar aquela cena.

Eu olhei para a parede quase terminada e suspirei antes de voltar ao trabalho, praguejando baixinho as pessoas que se recusavam a me contratar para um emprego de meio período só por eu ser "nova demais". Essa era uma das consequências de se morar num lugar onde todo mundo se conhecia — parecia que a maioria ainda me via como uma criança, e isso me tirava do sério de uma forma impressionante. Quando tinham minha idade, ambos meus pais já tinham empregos fixos. Agora só porque era a minha vez de ser adolescente existia aquela bobeira, aquela mania de recusarem estudantes. Aff!!!

Terminei meu trabalho na clínica antes das quatro da tarde, recebi meu pagamento certinho e saí dali sorrindo e dando tchauzinho para as pessoas simpáticas da recepção.

Eu estava me perguntando se deveria ir até o mercado para comprar algumas coisas para casa quando dei de cara com o gato me olhando de cima de um muro — como se fosse muito superior a mim, uma mera humana sem valor.

Semicerrei os olhos na sua direção e passei por ele comendo meu biscoito em silêncio. Quando olhei para trás, o bichano estava me seguindo com aqueles olhos verdes arregalados.

– Ok, você pode me seguir. Contanto que não mie, ok? Seja discreto. – pedi baixinho olhando em volta.

Mal terminei de falar e o abusado começou a miar pra mim de olho no meu biscoito.

Eu bufei e me abaixei para dar um pedacinho pra ele, que se afastou rapidamente e só se aproximou depois que eu esperei com uma paciência que eu nem sabia da onde havia saído.

Ele veio hesitante, cheirou e cheirou, tocou o biscoito com o focinho e então... Se afastou com uma cara de bunda, recusando totalmente a minha gentileza.

– Não acredito que você fez isso comigo. – falei e me levantei jogando o pedaço do meu biscoito "cheirado" no lixo.

Ignorei ele e decidi ir para casa em vez de andar até a rua. Aproveitei e passei na primeira birosca para comprar as coisas ali mesmo — algumas frutas e verduras apenas. O dono felizmente sempre me dava um descontinho agradável.

A Ascensão de Alexandra Lobos (A Garota que Sonhava)Onde histórias criam vida. Descubra agora