A bird with no wings - Jisung

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  Ouvindo atrás da porta, tentando escolher o melhor momento para atravessar a porta e me fingir inabalável enquanto beijo a testa oleosa do inimigo ㅡ o único que eu não posso derrotar ㅡ, minhas noites após o jantar costumam ser assim.

  O medo beija meus pés assim que eles tocam o chão frio de arenito do chão do quarto. Sou uma princesa, mas nunca me senti como uma.

  Ser princesa, de acordo com os livros e filmes, era ter um monte de garotos ao seu redor, usar vestidos com espartilhos que fazem seus seios saltar para fora e passear no jardim. Não é bem assim, não no meu caso. Na minha vida enquanto princesa, eu preciso acenar e sorrir ao lado de um homem com uma coroa pesada, aquele que administra um reino em constante declínio desde mesmo antes de eu nascer, e pior: preciso fingir não odiar ele. 

  Ainda usando o vestido de tule vermelho em que me botaram para o jantar, atravesso o vasto corredor até a porta do escritório do rei. Apoio minha mão espalmada na madeira fria, mas então a recolho, e volto para meu quarto na ponta dos pés.

  Sem "boa noite" hoje, e provavelmente um sermão no café da manhã no dia seguinte.

  Fecho as portas atrás de mim e, mesmo de volta ao meu quarto, o medo continua a envolver meu corpo em gavinhas dolorosas. Então percebo que há alguém além de Artemisia, a criada, no quarto.

  No fundo da minha mente, transparecendo nas feições desesperadas, começo a desejar que não seja ele, e que ele não me toque novamente. A lembrança se sobrepõe sobre minha pele, em cada parte que ele tocara com as mãos ásperas e enormes, então me arrependo de estar com um vestido decotado, e que tenha uma fenda tão aberta na perna.

  Começo a ofegar com as costas coladas na porta, o peito subindo e descendo mais rápido do que o habitual, gotículas de suor despontando nas extremidades do rosto. As desculpas e explicações começam a fervilhar na minha mente, a atuação, o segurar das lágrimas, eu estava me preparando para uma batalha antes mesmo de saber se o oponente estava ali.

  ㅡ Princesa S/N! ㅡ saudou Jisung, filho de uma das cortesãs. Sua voz envolveu meu corpo num abraço de alívio e em questão de segundos me vi arrastada ao chão em agradecimento por mais alguns minutos sem ver meu pai.

  Vi o corpo musculoso vir em minha direção, cada vez mais baixo:

  ㅡ Amor, você está bem? ㅡ a mão leniente tocou minha bochecha e me deixei desmanchar ao teu toque.

  ㅡ Pensei que fosse ele...

  ㅡ Desculpe... ㅡ Han baixou o olhar, arrependido e preocupado. ㅡ Pensei que se avisasse, seria pior e correríamos o risco.

  Imitei seu ato ao tocar as bochechas de esquilo que meu namorado tinha, o tranquilizando. Então o acastanhado se sentou ao meu lado, com as costas largas apoiadas na porta.

  ㅡ Eu não entendo, temos autorização...

  Ele dizia respeito a nosso namoro, sempre escondido, sem toques em público.

  ㅡ Tenho autorização para um monte de coisa, mas depois de tudo o que já passei, tenho medo de respirar torto.

  Artemisia escutava nossas conversas, sem problema algum. Era sempre ela que limpava meus ferimentos, sempre ela que me ouvia chorar e tampava minha boca quando qualquer sentinela do rei fazia sua ronda em frente ao meu quarto. Artemisia odiava o rei tanto quanto eu, afinal, ele destruíra sua família.

  Então escutamos passos na direção do quarto. Passos determinados de sapatos grossos e passos desesperados de salto alto.

  Artemisia com seu corpo esguio, desligou a luz rapidamente, ao passo que Jisung e eu nos arrastamos pelo chão até sair do limite da porta.

  ㅡ Querido, ela só deve estar cansada ㅡ ouvi minha mãe tentar acalmá-lo, a luz dourada do corredor entrando por debaixo da porta.

  ㅡ Acontece que ela está sempre cansada demais para falar com o próprio pai ㅡ pelo farfalhar das roupas e a lufada de ar, ele estava apoiando as mãos no quadril e bufando de ódio. ㅡ, ou deve ser coisa daquele tal "feminismo".

  ㅡ Não é bem assim, Harold.

  ㅡ É bem assim sim, eu acompanho mais do que você imagina.

  Aquilo me atingiu como um punhal no peito. Todas as coisas que eu escrevia, todas as conversas que eu tinha, todas as mensagens com minhas amigas, todos os desabafos com o teto abobadado do quarto, todos os posts salvos no pinterest.

  Nunca me senti tão desesperada e vigiada na vida, nunca me senti tão suja e enojada, nunca quis tanto morrer.

  O choro começou a me sufocar, torcendo e retorcendo minha garganta para um lado e para o outro, o pé encolhido se retraindo no chão gelado de arenito. Pior mesmo foi quando as portas irromperam:

  ㅡ Eu não lhe falei, Alethia? Ela estava aqui com o namoradinho dela, esse tempo todo. Com um vestido bem decotado, e ainda reclama quando eu toco sua perna ㅡ ele olha para o lado e estala a língua, o que me faz temer quais serão os momentos seguintes. ㅡ Suma daqui.

  Jisung olhou para mim com pena e compaixão, mas deixou o quarto, assim como Artemisia.

  ㅡ Eu lhe dei liberdade, não é? Vou cortar suas asinhas medíocres.

  Harold me agarrou pelo braço a me erguer do chão, de modo que poderia cair a manga do vestido e exibir meus seios para aquele homem promíscuo, tive certeza de que também deixaria um enorme hematoma ali onde ele segurava.

   ㅡ Você é uma vadia ㅡ cuspiu as palavras, os olhos transbordando ódio e desprezo. ㅡ, uma vadia dominada pelo feminismo.

  Não tive chance de falar nada, apenas tremer e tremer enquanto me segurava em mim, sentindo o ódio ser derramado aos meus pés, sentindo-me nua diante dele.

  ㅡ Depois de tudo o que eu fiz, você ainda é ingrata e não vai nem me dar boa noite.

  Senti subir por minha pele e garganta uma coragem sobrenatural, como se nada do que ele fizesse pudesse me abalar:

  ㅡ Tudo o que você fez? ㅡ debochei, mesmo com o rosto definhando de ódio. ㅡ Tudo o que você fez foi me encher de cicatrizes e traumas, desde que eu sequer sabia falar.

  Na mesma hora me arrependi do que disse, porque ele levantou as mãos para mim, então segurou os dois lados do meu tronco e me atirou contra o chão.

  ㅡ Eu sou o seu pai, e estou te ensinando.

  Minha mãe saiu na frente, chorando desesperadamente, e o rei bateu a porta do meu quarto.

  Eu estava sozinha, tentando me convencer de que tudo aquilo era ensinamento e que eu usaria para algo um dia.

***

A todas as garotas que não tiveram pais decentes,

A todas as princesas que cresceram prisioneiras,

A todas as meninas que aprenderam que gritar é sinônimo de amor,

 E a todos os pássaros que tiveram suas asas cortadas.


Em breve continuação.

  

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