Quando entro na Providence Living at Maitland, sou recebida pela Susana, que caminha ao meu lado pelos corredores.
Felizmente os raios de sol de hoje de manhã fizeram a nevasca derreter e permitem-me vir ver o meu pai.
Mas ainda notei que o chão do estacionamento tinha neve porque foi difícil estacionar.Olho para as paredes e reparo que foram pintadas, porque estão num tom mais claro e vivo.
A casa de repouso é algo parecido a um castelo, o que faz do meu pai um príncipe privilegiado.Aqui não deixam atrasar nada. Todos os horários que eles precisam de cumprir, são levados à letra, não há nada que eles não façam a horas. As refeições, os banhos, as medicações e até mesmo as sessões de fisioterapia são feitas no horário certo e mais adequado a cada paciente.
O meu pai não tem grandes hobbies, apenas gosta de comer a horas certas, ver os jogos do Buccaneers e ir ao jardim da Providence.
O que me faz ter um pouco de inveja porque é tratado não só como um príncipe como também não tem muito que fazer.
Mas o meu pai está num quarto e eu dou aulas numa escola, convivo com muitas pessoas durante o meu dia, enquanto que ele fica aqui a ver sempre as mesmas caras, e isso faz o meu quesito de inveja desaparecer. Ele está fechado aqui e eu circulo livremente.
A mulher negra cruza agora o corredor largo e principal, deixando-me reticente enquanto encaro as suas tranças compridas moverem-se durante o caminho.
É a primeira vez que estou nesta parte da Providence e só pode haver um motivo para estarmos aqui.
Suspiro quando a sua expressão triste e empática preenche o meu campo de visão.– Antes mesmo de chegar, precisámos de transferir o seu pai de quarto. – justifica enquanto cruzamos o corredor.
– O que aconteceu? – questiono, com a voz entrecortada.
– Quando a menina desligou, eu fui organizar as coisas para uma sessão de fisioterapia de outro paciente e o seu pai pediu a uma enfermeira para ver a esposa. Mas, depois de a enfermeira dizer que a esposa dele não estava, ele tornou-se agressivo.
Susana nega com a cabeça, assim como eu, como se não entendesse.
A doença está realmente a afetá-lo e isso faz a preocupação borbulhar nas minhas veias.– Isso tudo é consequência da doença...
Digo enquanto mantenho no rosto uma expressão desolada.
O pequeno ramo de flores e a caixinha na minha mão, com a fatia do bolo, estão quase a cair. Porém, Susana ajuda antes de entrarem em contacto com o chão.– Está a evoluir mais rápido do que podíamos imaginar, menina Reis. – a senhora confessa e eu encaro o chão com lágrimas nos olhos. – O médico vem amanhã para examinar como ele está. Pedimos urgência.
– Certo. – concordo, tentando processar a informação. – Como é que ele está agora?
– Dentro dos possíveis. – revela num tom cauteloso. – Mas não se recorda de ter empurrado e gritado com a enfermeira ou de destruir todo o quarto.
Solto um suspiro, cansada.
É a primeira vez, em quase três anos, que ele faz isto.Desde que tínhamos descoberto a doença, há 29 meses atrás, que concordámos, os dois, em colocá-lo numa casa de repouso sempre com assistência médica para o caso de algo acontecer.
O que eu não esperava era que a doença demorasse tanto a revelar-se.
No primeiro ano fiquei muito hesitante quanto a ele, a esperar qualquer reação diferente, qualquer conversa estranha ou até mesmo a duvidar de cada passo seu, mas, tudo parecia normal... desde há sete meses para cá.
A primeira coisa que notei foi a alteração no humor, mesmo ele continuando com a euforia e a animação a ver os jogos no ecrã e com a medicação adequada.
As alterações não foram muito significativas, só quem convive com ele sabia que algo não estava bem.
– Posso vê-lo?
Pergunto, a encarar a porta azul ao meu lado.
Susana confirma levemente e retira a chave do bolso, espantando-me enquanto ela destranca a fechadura e me deixa entrar.Hesitante, coloco um pé dentro do quarto e falho o passo ao ver o meu pai preso à cama com umas fivelas.
Mordo o lábio com a imagem e solto a respiração que não sabia estar a prender assim que o vejo respirar serenamente, denunciando o sono profundo.– Tivemos de o pender para o conseguirmos trazer. – avisa quando encaro as mãos amarradas. – O sedativo deverá perder o efeito... – ela olha para o relógio no seu pulso. – talvez amanhã de manhã.
Após pousar as coisas na mesa ao meu lado, caminho para perto da cama e aliso o cabelo já grandinho do meu pai, passando por ele os dedos e sentindo o quão suave são os fios quase cinzentos.
Encosto os lábios à sua testa e permito-me a demorar no contacto quando o beijo. Coisa que não faço há uns meses, quando ele teve a sua primeira mudança de humor repentina comigo.
Desde o episódio inesperado naquela manhã, não me atrevi a tocá-lo sem que ele tomasse a iniciativa primeiro. E apenas eu sei o quanto me custa não poder abraçar, tocar ou beijar o meu próprio pai com medo de que ele possa perder a cabeça.
O famoso, e mais que conhecido, aperto no peito começa a formar-se enquanto o olho ternamente, desejando com todas as forças que ele melhore... mesmo sabendo que não há cura.
.
– Já é quase meia-noite, menina Reis.
A mulher negra diz em tom suave enquanto adentra pelo quarto com uma pequena ardósia na sua mão.
Está atenta a escrever qualquer coisa nela, depois de olhar os sinais do meu pai num aparelho que tem alguns fios ligados ao seu braço e avisa-me num tom ternurento que o horário de visitas está a terminar.
Tomo a liberdade de suspirar silenciosamente enquanto limpo a garganta e passo a mão pela minha bochecha quente, numa tentativa de afastar o cansaço.
Com uma expressão cabisbaixa, levanto-me da cadeira perto da cama e devolvo-a ao seu devido lugar.
Timidamente, encaro a senhora e dou um meio sorriso que ao mesmo tempo agradece todo o esforço e a paciência.
– Quando ele acordar... – começo com a voz entrecortada. – Pode me avisar, por favor?
Ela encara-me com um semblante compreensível. Oh não!
Tudo o que menos preciso agora é do olhar que Susana me lança neste exato momento.Aquele olhar capaz de derrubar a barreira que ergui assim que aqui entrei, para conter as lágrimas.
Talvez o meu olhar abatido e exausto necessite mesmo de alguma ternura. Passei o resto do dia sentada na cadeira dura do quarto porque não consegui ir embora sabendo que o meu pai tinha tido um ataque de raiva esta tarde.
Isso pode ter decorrido enquanto eu estava presa no trânsito ou, porra!, ele pode ter tido a fúria enquanto eu terminava a minha cerveja na cafetaria com as meninas...
Engulo o desgosto que sobe pela minha garganta ao pensar no meu egoísmo.Se eu tivesse vindo diretamente para cá, talvez pudesse ter detido as suas mãos incontroláveis de destruir o outro quarto.
Só que... eu não vim. E isto aconteceu.
Com um pequeno aceno, ela confirma o meu pedido e, sem olhar para trás, caminho rapidamente até à entrada, desesperada para sair daqui enquanto o cheiro a desinfetante faz arder as minhas narinas.
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.A casa de repouso onde está o pai da nossa Bru está na imagem da midia.
Acham que ela se deveria culpar por chegar "tarde"?? :(
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Jogada do Amor
RomanceDuas pessoas com um passado em comum, separadas por traumas obscuros. Uma vida que gira em torno de ter futebol americano com refúgio. Outra vida que não quer deixar de ensinar crianças prodígios. Será possível ultrapassar os segredos no meio de ta...