Não sei de onde posso tirar forças para sair da cama, mas a verdade é que o faço e tomo a coragem de tomar um banho para depois mergulhar num mar de trabalho que possa, eventualmente, diminuir a minha dor.
Só que isso não acontece, apenas consigo ter o azar de quase me afogar na tristeza em que estava ontem e obrigo o meu corpo a deitar-se mais uma vez na cama de onde nem deveria ter saído.
Ontem foi a última vez que vi o meu pai.
A última vez que lhe toquei.
A última vez que lhe disse pessoalmente que o amo.
E pensar nisso só está a fazer com que o meu peito se aperte ainda mais.Domingo é o festival do dia da Música e é o espetáculo de Brian, o que quer dizer que vou ter que ir a casa dos Griffin para o ajudar a praticar ainda mais.
O problema é que eu não consigo encontrar maneira de sair daqui, da minha bolha, e de me obrigar a deixar esta solidão para me enfiar na casa deles e ouvi-los falar sobre o que tento evitar pensar.
– Brubis, queres alguma coisa antes de eu sair? – Tracy aparece na porta do meu quarto e quando me vê deitada, vai se aproximando. – Ainda estás deitada? – o seu tom de voz é preocupado e vai ficando mais próximo.
O som dos passos leves provocam um grande eco na minha cabeça.
O vazio mental está a ter ondas de dor misturadas com as ondas que o som dos passos dela provocam.Não é intenso, mas faz com que eu franza as sobrancelhas para amenizar a dor. Só que isso não acontece, acho que piora.
Não lhe respondo, porque a minha voz foi engolida pela dor que surgiu agora.
– Pensei que, pelo menos, tinhas saído para comer alguma coisa mas a Paula disse-me que nem apareceste na cozinha. – ela diz em tom meio sofrido.
A Tracy dormiu aqui comigo, na minha cama. Mas não consegui não segurar as lágrimas durante grande parte da noite.
Chorei baixinho, deixei a almofada regada com as minhas lágrimas grossas e intensas que me puxavam cada vez mais para a solidão, mesmo estando com a minha melhor amiga ao meu lado.
Ela saiu cedo, por volta das seis, e foi comprar qualquer coisa relacionada a doces, ela disse às meninas mas não me esforcei a tentar perceber o que era.
– Na verdade, já tomei banho, mas deitei-me outra vez. – digo muito baixinho enquanto me encolho na cama e a ouço suspirar.
– Eu sei que perder os pais está no top 3 das piores coisas que nos pode acontecer... – a sua voz soa ainda mais próxima e o colchão afunda ao meu lado.
– Top 3? – questiono e engulo com dificuldade, só de pensar nas outras coisas.
– Sim, essa está em primeiro. – ela diz. – Em segundo lugar está ter algum acidente e partir uma parte do corpo e a terceira é ter uma arma apontada à cabeça. – ela dá uma pequena risada na última.
– Essa da arma é pesada, Tracee. – sussurro.
– Eu sei, mas foi o que me ocorreu para uma pessoa comum. – acho que ela dá de ombros porque sinto o colchão balançar um pouco.
– Para uma pessoa comum? – estranho, ainda de olhos fechados.
– Sim. O meu top 3 é muito diferente deste que acabei de dizer. – ela confessa. – E antes que perguntes quais são, não te vou revelar.
– E qual é a razão? Tens medo que eu zombe de ti? – questiono num sorriso fraco.
– Quero lá saber se achas que os meus medos são um disparate, mas eu considero-os horríveis. – ela diz. – Só te vou dizer que um deles tem a ver com não conseguir ter um orgasmo.
– Claro que tem, Tracee. Claro que tem. – digo sem forças e ela dá uma baixinha risada e solta o ar pelo nariz.
– Não te vou questionar como estás porque sei que vais dizer que estás bem, então venho propôr uma ida às compras. – ela revela e eu nego com a cabeça. – O.k. E que tal irmos comer alguma coisa à cafetaria vintage? – ela pergunta.
– Pensei que querias evitar a dona, já que ela tem memória rancorosa. – eu relembro-a e ela faz um som estridente com a boca.
– Já nem me lembrava dessa. – ela resmunga e espreito com o meu olho esquerdo para ver que ela cruza os braços e olha para os sapatos dela. – Então escolhe tu, deitada nessa cama é que não vais ficar.
– Tracee... – eu aviso baixinho.
– Eu não gosto de te ver aqui enfiada. – ela confessa. – A ideia deixa-me claustrofóbica. – ela revela.
Claustrofóbica... é mesmo assim que me sinto com esta dor no meu peito. Com estas lembranças.
Com toda a merda.Inspiro fundo e sinto o corpo dela levantar-se abruptamente da cama, provocando um susto em mim que me faz abrir os olhos num rompante.
A sua expressão dura causa-me um frio na barriga.– Bruna Reis, vais levantar esse rabo dessa cama e veste uma roupa. Não vou deixar que te autodestruas por causa de uma perda na tua vida! – ela diz firme.
– Deixa-me. – digo baixinho.
– Não estive lá para te ajudar quando a tua mãe se foi, mas estou aqui neste momento! – exclama.
– Não consigo... – digo baixinho.
– Consegues! Tu consegues! – ela retira a manta de cima de mim e ajuda-me a sentar no colchão. – Tu vais comigo ao jardim porque eu vou fazer umas fotografias e dali vou te levar à casa dos Griffin para dares a aula ao Brian.
– Como é que sabes que tenho aula com ele hoje? – questiono num sussurro.
– O dia do espetáculo está perto e, além do mais, a tua agenda ficou aberta na mesa da sala quando te deixaste dormir no sofá, ontem à noite. – ela confessa e puxa a minha mão para eu me levantar. Fico à altura dela. – Queres que te ajude a escolher a roupa, também?
Nego com a cabeça.
Ela dá um beijo na minha mão e um meio sorriso antes de virar costas para mim e caminhar descontraidamente até à porta do meu quarto.O cabelo loiro balança como se ela fosse uma das modelos dos anúncios de shampoo da televisão e o corpo dentro daquele vestido comprido é algo semelhante a conforto e simplicidade.
Antes que ela possa desaparecer do meu campo de visão, forço a minha voz falha a profanar uma palavra que transmite todo o meu agradecimento por a ter comigo.
– Obrigada.
– Fica sexy! – ela diz num sorriso antes de passar a porta.
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Quem tem uma Tracy tem tudo 🥺
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Jogada do Amor
RomanceDuas pessoas com um passado em comum, separadas por traumas obscuros. Uma vida que gira em torno de ter futebol americano com refúgio. Outra vida que não quer deixar de ensinar crianças prodígios. Será possível ultrapassar os segredos no meio de ta...