Capítulo 75

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Não sei de onde posso tirar forças para sair da cama, mas a verdade é que o faço e tomo a coragem de tomar um banho para depois mergulhar num mar de trabalho que possa, eventualmente, diminuir a minha dor. 

Só que isso não acontece, apenas consigo ter o azar de quase me afogar na tristeza em que estava ontem e obrigo o meu corpo a deitar-se mais uma vez na cama de onde nem deveria ter saído.

Ontem foi a última vez que vi o meu pai. 
A última vez que lhe toquei. 
A última vez que lhe disse pessoalmente que o amo. 
E pensar nisso só está a fazer com que o meu peito se aperte ainda mais. 

Domingo é o festival do dia da Música e é o espetáculo de Brian, o que quer dizer que vou ter que ir a casa dos Griffin para o ajudar a praticar ainda mais.

O problema é que eu não consigo encontrar maneira de sair daqui, da minha bolha, e de me obrigar a deixar esta solidão para me enfiar na casa deles e ouvi-los falar sobre o que tento evitar pensar.

– Brubis, queres alguma coisa antes de eu sair? – Tracy aparece na porta do meu quarto e quando me vê deitada, vai se aproximando. – Ainda estás deitada? – o seu tom de voz é preocupado e vai ficando mais próximo. 

O som dos passos leves provocam um grande eco na minha cabeça.
O vazio mental está a ter ondas de dor misturadas com as ondas que o som dos passos dela provocam. 

Não é intenso, mas faz com que eu franza as sobrancelhas para amenizar a dor. Só que isso não acontece, acho que piora.

Não lhe respondo, porque a minha voz foi engolida pela dor que surgiu agora.

– Pensei que, pelo menos, tinhas saído para comer alguma coisa mas a Paula disse-me que nem apareceste na cozinha. – ela diz em tom meio sofrido.

A Tracy dormiu aqui comigo, na minha cama. Mas não consegui não segurar as lágrimas durante grande parte da noite.

Chorei baixinho, deixei a almofada regada com as minhas lágrimas grossas e intensas que me puxavam cada vez mais para a solidão, mesmo estando com a minha melhor amiga ao meu lado.

Ela saiu cedo, por volta das seis, e foi comprar qualquer coisa relacionada a doces, ela disse às meninas mas não me esforcei a tentar perceber o que era. 

– Na verdade, já tomei banho, mas deitei-me outra vez. – digo muito baixinho enquanto me encolho na cama e a ouço suspirar.

– Eu sei que perder os pais está no top 3 das piores coisas que nos pode acontecer... – a sua voz soa ainda mais próxima e o colchão afunda ao meu lado.

Top 3? – questiono e engulo com dificuldade, só de pensar nas outras coisas.

– Sim, essa está em primeiro. – ela diz. – Em segundo lugar está ter algum acidente e partir uma parte do corpo e a terceira é ter uma arma apontada à cabeça. – ela dá uma pequena risada na última. 

– Essa da arma é pesada, Tracee. – sussurro.

– Eu sei, mas foi o que me ocorreu para uma pessoa comum. – acho que ela dá de ombros porque sinto o colchão balançar um pouco. 

– Para uma pessoa comum? – estranho, ainda de olhos fechados.

– Sim. O meu top 3 é muito diferente deste que acabei de dizer. – ela confessa. – E antes que perguntes quais são, não te vou revelar. 

– E qual é a razão? Tens medo que eu zombe de ti? – questiono num sorriso fraco.

– Quero lá saber se achas que os meus medos são um disparate, mas eu considero-os horríveis. – ela diz. – Só te vou dizer que um deles tem a ver com não conseguir ter um orgasmo. 

– Claro que tem, Tracee. Claro que tem. – digo sem forças e ela dá uma baixinha risada e solta o ar pelo nariz. 

– Não te vou questionar como estás porque sei que vais dizer que estás bem, então venho propôr uma ida às compras. – ela revela e eu nego com a cabeça. – O.k. E que tal irmos comer alguma coisa à cafetaria vintage? – ela pergunta.

– Pensei que querias evitar a dona, já que ela tem memória rancorosa. – eu relembro-a e ela faz um som estridente com a boca.

– Já nem me lembrava dessa. – ela resmunga e espreito com o meu olho esquerdo para ver que ela cruza os braços e olha para os sapatos dela. – Então escolhe tu, deitada nessa cama é que não vais ficar. 

– Tracee... – eu aviso baixinho. 

– Eu não gosto de te ver aqui enfiada. – ela confessa. – A ideia deixa-me claustrofóbica. – ela revela.

Claustrofóbica... é mesmo assim que me sinto com esta dor no meu peito. Com estas lembranças.
Com toda a merda.

Inspiro fundo e sinto o corpo dela levantar-se abruptamente da cama, provocando um susto em mim que me faz abrir os olhos num rompante. 
A sua expressão dura causa-me um frio na barriga. 

– Bruna Reis, vais levantar esse rabo dessa cama e veste uma roupa. Não vou deixar que te autodestruas por causa de uma perda na tua vida! – ela diz firme.

– Deixa-me. – digo baixinho.

– Não estive lá para te ajudar quando a tua mãe se foi, mas estou aqui neste momento! – exclama.

– Não consigo... – digo baixinho.

– Consegues! Tu consegues! – ela retira a manta de cima de mim e ajuda-me a sentar no colchão. – Tu vais comigo ao jardim porque eu vou fazer umas fotografias e dali vou te levar à casa dos Griffin para dares a aula ao Brian. 

– Como é que sabes que tenho aula com ele hoje? – questiono num sussurro.

– O dia do espetáculo está perto e, além do mais, a tua agenda ficou aberta na mesa da sala quando te deixaste dormir no sofá, ontem à noite. – ela confessa e puxa a minha mão para eu me levantar. Fico à altura dela. – Queres que te ajude a escolher a roupa, também?

Nego com a cabeça. 
Ela dá um beijo na minha mão e um meio sorriso antes de virar costas para mim e caminhar descontraidamente até à porta do meu quarto. 

O cabelo loiro balança como se ela fosse uma das modelos dos anúncios de shampoo da televisão e o corpo dentro daquele vestido comprido é algo semelhante a conforto e simplicidade. 

Antes que ela possa desaparecer do meu campo de visão, forço a minha voz falha a profanar uma palavra que transmite todo o meu agradecimento por a ter comigo.

– Obrigada. 

– Fica sexy! – ela diz num sorriso antes de passar a porta. 

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Quem tem uma Tracy tem tudo 🥺

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