14 - Desconhecida

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No dia seguinte, a manhã estava límpida e resplandecente.
O sol estava baixo entre as nuvens, os pássaros cantavam por entres as árvores e uma brisa leve e morna entrava pela janela aberta do quarto.
Maeve esticou os braços por cima da cabeça e bocejou, virando para a esquerda para acordar Brenda, que dormia ao seu lado na cama. Ela estava literalmente com a cara enterrada no travesseiro quando ergueu o rosto e olhou para Maeve, balbuciando:
- Queee ééé?
- Nós temos aula hoje, sua vadia preguiçosa e inútil - Maeve disse, batendo na amiga com um travesseiro. Depois ela pegou o objeto novamente e o arremessou em Joan, que dormia num colchão no chão ao lado da cama das meninas.
- Acorda, Bela Adormecida! - Maeve gritou.
- Mas quanto absurdo - Joan murmurou, olhando sonolento para Maeve. - Não posso mais tirar meu sono da beleza em paz?
- No seu caso, para você poder ter um pouco de beleza, seria preciso um coma, e não um sono - Brenda disse num murmúrio forçado.
- Perdoai-vos, Pai, esta invejosa não sabe o que faz.
Joan pegou o travesseiro e o jogou no rosto de Brenda, que de vez em quando encostava a cabeça, querendo dormir de novo.
Maeve não podia culpá-la. Os três foram dormir bastante tarde na noite anterior, bem depois de 1h da madrugada. Assistiram TV, fofocaram, devoraram a pizza e brincaram entre si, como faziam antes do acidente de Maeve e Katrina. Há seis meses atrás, Maeve não tinha cabeça para fazer outra coisa a não ser sofrer, mas agora, com todas as revelações, ela sentia uma nova chama de esperança acender dentro de si.
Por dentro, Maeve estava dividida em dois: uma parte estava viva, radiante com a descoberta dos novos poderes e contente com a ideia de ter a mãe de volta em seus braços. Ela poderia dizer a Katrina o quanto a amava e o quanto era grata por tudo que a mãe já tinha feito por ela. Maeve sentia como se pudesse explodir a qualquer momento, mas não de um jeito ruim. Mas, por outro lado, ela estava aterrorizada pelo o que poderia enfrentar daqui para a frente. Maeve já vira do que os Amantes do Alvorecer eram capazes, já testemunhara suas habilidades incríveis e notara o brilho sádico e cruel nos olhos de cada um. Aqueles seres iriam ser seus inimigos mortais. Sem mencionar que além do resgate de Katrina, Maeve teria outras coisas mais importantes em suas mãos para resolver, como por exemplo a profecia que Octavian mencionara, aquela que dez crianças seriam escolhidas para selar o destino do universo. Embora estivesse animada com as novas descobertas, era impossível não temer o desconhecido. Era assim que Maeve se sentia, uma mistura confusa de medo e terror, coragem e determinação. O que motivava a menina a continuar naquela jornada nova e tortuosa era a ideia de ter a mãe de volta, mas mesmo com a volta de Katrina, ela sabia que a vida de ambas não seria mais a mesma depois de tudo que Maeve descobrira até agora. E se, no momento mais decisivo, Maeve hesitasse e pusesse tudo a perder? Ela não sabia se seria capaz de conviver com a culpa de fracassar.
- OK, é melhor nos apressarmos, não quero perder a primeira aula - Maeve levantou da cama e passou as mãos nos longos cabelos louros-avermelhados para domar os fios teimosos. - Tipo, temos que correr. Agora.
- Bem que a gente podia matar aula hoje, né? - Brenda sugeriu.
- Boa ideia - concordou Joan. - Seria bom não olhar na cara do Misael por um dia.
- Nada disso! Pelo contrário, temos que ir.
Brenda tirou a cara do travesseiro, irritada, e olhou para Maeve com os olhos grudentos de remela amarela repugnante.
- Pode nos dar um bom motivo para ir à escola hoje?
- Sei lá - Maeve deu de ombros. - Só estou sentindo que hoje vai acontecer alguma coisa boa.
Joan levantou relutantemente e caminhou até a porta do quarto, descendo as escadas.
- Tá, que seja - ele gritou.
- Ah, qual é - reclamou Brenda. Mas quando viu o olhar de " não adianta protestar, não vou dar o braço a torcer ", ela finalmente cedeu. - Tá, tá, tá. Já vou me trocar.
- Essa é minha garota! - Maeve disse, rindo. Ela sabia que poderia matar aula com os amigos, mas realmente sentia que alguma coisa boa estava prestes a acontecer.

***

Depois de trocarem de roupa e tomarem um rápido café da manhã, os meninos saíram de casa rumo a escola, debaixo de um sol morno e aconchegante.
Enquanto caminhavam, a Sra. Campane acenou para Maeve através da janela de vidro da cozinha. Maeve foi até lá, e Joan e Brenda a seguiram.
A Sra. Campane abriu a janela de vidro e cumprimentou os meninos:
- Bom dia garotos, como estão?
- Oi, Sra. Campane - Maeve disse alegremente, em seguida gesticulou para Joan e Brenda, que estavam parados ao seu lado com sorrisos bobos no rosto. - Este são meus amigos, Joan e Brenda. Joan, Brenda, esta é a Sra. Mari Campane, minha segunda mãe.
Eles trocaram cumprimentos educados, até que a Sra. Campane olhou para Maeve com curiosidade.
- Você devia cuidar melhor dos seus bichinhos de estimação, minha menina. É muito perigoso deixá-los soltos na rua tão tarde da noite.
Maeve ergueu as sobrancelhas, confusa.
- Não estou entendendo. Que bichinho de estimação?
- Seu cachorrinho, oras. O pobre coitado passou a noite em frente a minha porta depois que você foi embora ontem à noite.
- O quê? Mas que cachorro é esse?
- Só um instante - a Sra. Campane girou a cabeça para trás e gritou: - Dave, traga o cachorrinho até aqui!
Alguns instantes depois, Dave apareceu na janela segurando uma bola de penugem marrom. Ele se apoiou no parapeito da janela para que Maeve pudesse examinar melhor o pequeno animal. O cachorro era muito fofo, do tipo que quando você o vê quer ficar abraçado com ele o resto do dia. Ele era apenas um filhote, tinha o pelo macio da cor da casca de uma árvore e orelhas que caiam ao redor da pequena cabeça. Ele parecia apenas um cão comum, exceto pelos olhos que eram vermelhos como sangue. Maeve desviou o olhar e voltou a atenção para a Sra. Campane.
- Esse cachorro não é meu, deve ter sido algum engano...
- Não, Maeve, não é engano - Dave balançou a cabeça, negando. - Ele tem uma coleira, e nesse coleira tem uma medalha com seu nome. Olha só.
Maeve olhou mais de perto e viu um medalhão prata no pescoço do cachorro, com as palavras Maeve LeBlanc esculpidas no aço. Ela se espantou.
- Como esse animal chegou aqui?
- Como eu disse, foi depois que você saiu - disse a Sra. Campane. - Alguns minutos depois, quando eu estava me preparando para dormir, alguém tocou a campanha. Quando abri a porta para ver quem era, não vi ninguém. Mas quando olhei para baixo, lá estava ele sentado no tapete, quieto e esperando. - A Sra. Campane fez um carinho na cabeça do bicho, que fechou os olhos preguiçosamente com o toque da doce senhora.
Maeve estava sem palavras. Joan e Brenda a encaravam, tão confusos como a própria Maeve.
Dave olhou para Brenda e disse:
- Oi.
- Oi - disse Brenda, sorrindo.
- Você é muito bonita. Quando eu crescer, você será minha namorada.
- Eu adoraria - Brenda riu.
- Dave, não seja grosseiro! - a Sra. Campane disse, exasperada.
- Ah, não se preocupe com isso - Joan tranquilizou. - Esse menino pode ser a coisa mais próxima de um homem que Brenda pode chegar na vida inteira.
Brenda olhou para ele e forçou um sorriso.
- Só não dou uma resposta à altura porque sou educada demais para falar em voz alta, ainda mais com crianças presentes.
Enquanto os amigos discutiam, Maeve tentava desfazer o mal entendido. Aquele cãozinho não era dela. Não mesmo.
- Olha, Sra. Campane, eu não tenho ideia de como esse cão veio parar aqui, mas não...
- Tudo bem, minha menina, não vou dar bronca - a Sra. Campane sorriu e entregou o bichinho nas mãos de Maeve. - Apenas tome conta dele da próxima vez, está bem?
- Mas eu... - Maeve, porém, não teve tempo de terminar a frase, pois a Sra. Campane acenou um adeus e fechou a janela, indo para os fundos da casa com Dave ao seu encalço.
E lá estava Maeve, com uma expressão confusa estampada no rosto com um cachorro estranho aninhado em seus braços.

Escolhidos - Entre os Hereges e Amantes [Livro 1]Onde histórias criam vida. Descubra agora