O vento era afiado como mil lâminas cortando sua pele. Seu sangue estava fervendo, o coração batia forte no peito, rasgando sua carne, matando-o aos poucos. Ele sabia que era um homem morto. Não havia como escapar da implacável fúria de Paollus.
Ele havia traído sua Tribo. Traído seu exército. Havia traído a missão.
Aquilo não ia ficar impune. Ele não sairia impune. Durante anos, vira o que acontecera com os membros da sua Tribo por pequenos e insignificantes delitos cometidos. A menor das infrações causava o maior dos castigos. Tortura, exílio, humilhação pública, pena de morte... estas eram apenas algumas das inúmeras formas de punir alguém que desagradava Paollus.
Yooran havia chegado ao ápice dos seus limites. Não podia matar aquelas crianças. Não podia prolongar mais ainda uma guerra desnecessária que já durava havia séculos. Era seu dever, o seu trabalho, dar cabo dos Hereges do Eclipse, mas ser mau não era da sua natureza, mesmo sendo um Amante do Alvorecer. Ele não pedira para ser daquela Tribo desprezível e inescrupulosa.
Não queria ser um assassino cruel e impiedoso.
Mas a recusa de Yooran em seguir as ordens de Paollus iriam acarretar em consequências drásticas para ele mesmo e para sua família.
Ele não podia permitir que aquilo acontecesse. Teria que fugir com Elayne e Zander o mais rápido possível. Não podiam mais viver no mundo dos Amantes. Precisaria pedir refúgio e morar no mundo dos Hereges, ou estabelecer moradia ali, na Terra.
Tanto faz, pensou.
Qualquer lugar seria uma casa melhor.
Esta missão pode custar a sua vida.
Yooran lembrou dessas palavras proferidas por Paollus pouco depois de ter sido designado para aquela missão. Agora, ele sentia o peso da promessa por trás daquele aviso. Era uma clara advertência, mas só agora ele conseguiu decifrar o verdadeiro significado. Se Yooran não obtivesse sucesso na missão de capturar as crianças protegidas de Octavian, se voltasse para casa de mãos vazias, o próprio Paollus o mataria.
Chegar a esta conclusão o aliviou verdadeiramente. A sua morte não seria em vão, não seria um total desperdício. Ele iria para a cova com a consciência tranquila, saberia que estava morrendo por seus ideais. Estaria morrendo por uma causa nobre. Para pôr um fim à guerra, ao invés de lhe dar continuidade.
Estava enlouquecendo de tanta alegria. Há tempos não se sentia tão leve, feliz e tranquilo. Finalmente tinha encontrado seu propósito: fazer bem ao mundo ao invés de perpetuar a desgraça.
Ele ficara realmente surpreso com o desempenho das crianças Hereges no campo de batalha. Paollus teria uma grande dor de cabeça e adversários à altura. Eles tinham potencial para ser a salvação de que o universo tanto precisava. Torceu para não estar enganado em relação às verdadeiras intenções dos Hereges, para não estar jogando sua vida fora por uma ilusão de um pacifista sonhador.
A desavença com os Hereges fora iniciada pelos Amantes, anos e anos luz atrás. Durante os séculos seguintes, os Amantes perseguiram, torturaram e mataram milhares de Hereges do Eclipse, alegando que a raça deles era impura e suja, sendo assim um câncer que precisava ser exterminado do planeta. Os Hereges, por sua vez, não faziam nada além de lutar por sua própria sobrevivência. Nunca fizeram nada para revidar, no intuito de não prorrogar o derramamento de sangue. Se dependesse deles, ambas as Tribos viveriam em paz, em seus respectivos mundos.
Mas graças à imparcialidade e ego de líderes como Paollus, por exemplo, a paz estava mais inalcançável do que nunca. Yooran esperava que aquele gesto de rendição fosse o primeiro passo para alcançarem o tão esperado sossego que tanto desejavam.
Desejar aquele tipo de coisa era o que o fazia lutar todos os dias, e quando Paollus o escolhera para aquela empreitada, ele viu ali sua tão esperada chance de fazer algo a respeito além de apenas querer. Ele agiu. Aproveitou a oportunidade e pôs seus planos em prática.
Era um sacrifício que valeria a pena no futuro, iria beneficiar outras gerações, e Yooran conseguiu encontrar um pouco de paz naquele pensamento utópico.
Ele seria o único declarado culpado, já que somente ele havia desertado. Seus companheiros estavam todos mortos, de modo que não havia nenhuma testemunha. Vira-os morrer diante de seus próprios olhos e não fizera nada a respeito. Viu também quando Haven, braço direito de Paollus, fora incinerado quando aquela árvore flamejante desabou em cima dele e de outra dezena presos em um apertado laço de chicote. Não podia dizer que lamentava sua morte. Nunca gostara dele, mesmo. Aquele desgraçado teve o que mereceu.
A esta altura, não adiantaria fugir. Paollus iria arrancar a verdade dele, com testemunhas ou não. Yooran não era tolo ao ponto de achar que o comandante dos Amantes do Alvorecer não iria descobrir sua traição. Ele tinha outros meios de saber das coisas.
Ele não podia mais se salvar; assinara seu óbito quando decidiu se voltar contra sua Tribo, isto era certo. Mas ainda podia salvar sua esposa e sua filha. Seria seu último ato de salvação enquanto ainda estivesse vivo. Se Yooran fugisse, Paollus poderia usar sua família como isca para atraí-lo e chantageá-lo, porém ele não permitiria isso. Iria se entregar de boa vontade, mas não antes de salvar seus dois tesouros mais preciosos.
Ele sumiu do campo de batalha banhado de sangue, vísceras e cadáveres em uma fumaça branca fluorescente, tão suave quanto uma nuvem, e voltou a se materializar em seu mundo. A viagem por meio da arte do teleporte ainda o deixava desnorteado. A sensação que acometia o corpo dele era como sentir seus músculos se desintegrarem, evaporar feito fumaça, para depois ir se montando aos poucos, até estar inteiro novamente.
Yooran olhou ao redor, ajustando a visão. Uma enorme esfera de luz branca queimava forte e intensamente em um pano de fundo igualmente branco. Criaturas com corpos escamosos e asas de borboletas voavam pelos ares, descrevendo círculos e cantando uma doce melodia. As casas ali eram construídas magistralmente com pedras lisas e planas, refletindo a superpotência dos raios de sol. Aquele era o campo próximo ao Major Portals, o ponto de acesso que ligava aquele mundo à Terra. Yooran caminhou depressa até a caverna colossal que servia como casa e quartel de diversos Amantes e suas famílias. Mesmo ao longe, era o edifício mais vistoso de todo o Mundo. Sua construção deveria ter no mínimo cem andares, erguendo-se potencialmente até atingir as fofas nuvens vermelho-rosadas no céu. Grandes plantas e pétalas de flores faziam sombras pelo caminho, enquanto baforadas de ar subiam de crateras abertas no chão.
Yooran estava se encaminhando para a caverna tão tranquilamente que nem parecia que estava andando em direção à morte.
Ao atravessar os majestosos portões principais esculpidos em ouro, os guardas o trataram normalmente, como de costume.
Ótimo, pensou consigo mesmo. Isso é ótimo. Ainda não haviam descoberto o que tinha acontecido. Isso lhe daria mais tempo para planejar uma fuga segura para Elayne e Zander. Se ele não pudesse escapar com elas, ao menos poderia garantir a segurança da esposa e da filha. Elas estariam vivas e felizes longe dali. Yooran era o único responsável, portanto era o único que tinha de ser castigado.
Por enquanto, estava tudo tranquilo. Os Amantes o trataram da maneira formal e respeitosa de sempre por onde quer que passasse, cumprimentando-o discretamente e prestando continência, como se não houvesse nada de errado. Ele se permitiu relaxar um pouco. A tensão em seus músculos aliviou.
Elayne e Zander provavelmente ainda estavam a salvo, graças à bondade de Allard.
Ele andou pelo interior da imensa caverna; as pedras eram esculpidas para se adaptar às vontades e necessidades de seus donos, de modo que a parte interna da construção era repleta de pavilhões, refeitórios, salas, centros de treinamento, alojamentos e outros diversos cômodos.
Ao chegar no compartimento de dormitórios, entrou no seu sutilmente, sem querer parecer suspeito. Ele bateu na porta duas vezes e entrou, seu peito se enchia de excitação. De repente, Yooran recordou que Elayne tinha uma surpresa para lhe contar, e em seguida lembrou do leve inchaço na barriga. Aquilo só podia significar uma coisa...
Pensar naquilo o encheu de alegria e um sorriso involuntário se formou em seu rosto.
Estava ansioso para dar um braço apertado em Elayne e Zander, dizer o quanto as amava e o quanto era grato por tê-las em sua vida...
Mas ao invés de encontrá-las em casa, o esperando, deu de cara com Paollus, sentando à vontade em uma cadeira forrada com couro de víbora.
- Até que você chegou mais rápido do que eu esperava - Paollus disse, rindo.
O terror se espalhou pelas veias de Yooran. Sentiu o sangue gelar, mas em pouco tempo recompôs a postura. Não havia sentido em tentar mentir. Paollus já sabia de tudo. Mas como ele soube tão depressa? Todos que tinham ido para a missão com Yooran estavam mortos. Não havia testemunhas. Então quem havia reportado os acontecimentos para Paollus?
- Como você descobriu? - Yooran perguntou calmamente.
Paollus estava estoico, forçando uma tranquilidade que todos sabiam que ele não tinha, e isso contribuía para deixá-lo ainda mais assustador do que já era.
- Quando for trair seus irmãos - Paollus ergueu a mão, fazendo um gesto como se estivesse chamando alguém -, certifique-se de que todos estejam mortos.
Uma figura vermelha e desfigurada saiu cambaleando das sombras do aposento, mas seu olhar era inconfundível.
Haven havia sobrevivido à explosão da árvore que matou metade dos Amantes, pelo visto.
A cautela de Yooran foi substituída por uma fúria animalesca. Seu instinto de proteger sua família deu lugar ao seu instinto assassino.
- Você me entregou, Haven? - Yooran indagou entredentes.
O outrora belo rosto de Haven estava agora permeado por queimaduras e cicatrizes, uma carranca feia se formou quando ele abriu um sorriso.
- Você é um traidor, Yooran - disse Haven, vangloriando-se. - E você e aquelas duas putas terão o castigo que merecem.
Yooran pulou para cima de Haven, brandindo uma adaga e cortando a bochecha de Haven. Ele bloqueou um soco do oponente, dando ele mesmo um forte soco na cara de Haven, fazendo gritar de dor. Em seguida Yooran o empurrou contra a parede e pressionou a lâmina contra sua garganta, olhando-o no fundo dos olhos.
Ele já seria morto de qualquer maneira. O que tinha a perder a esta altura? Matar Haven lhe traria alguma satisfação em seus últimos momentos.
No instante que Yooran ia dar o golpe final e abrir o pescoço de Haven, sentiu uma pressão forte tomar conta de seu pulso, até que não aguentou mais e a adaga caiu de sua mão. Paollus havia utilizado seus poderes para impedir Yooran de assassinar Haven.
- Onde estão minha esposa e minha filha? - Yooran gritou para Paollus, acariciando o pulso machucado. - O que você fez com elas?
Paollus levantou da cadeira e deu uma bofetada no rosto de Yooran.
- Se você achou por um instante sequer que ia nos trair e ficar por isso mesmo, você é um idiota maior do que pensei - Paollus gritou de volta. - Se tinha esperanças de que ajudaria aquelas duas a fugir daqui, pode esquecer. Apenas a sua morte não irá me satisfazer.
Paollus fez um amplo gesto com as mãos e correias surgiram do nada, prendendo os pulsos de Yooran. Ele se debateu para se livrar do aperto, mas de nada adiantou.
- Você irá morrer hoje, Yooran. Mas não antes de ver sua esposa grávida e sua pequena filhinha morrerem bem diante de seus olhos! - Haven disse, deliciando-se com cada palavra dita.
- Não! Não! NÃO - Yooran berrou desesperadamente. Havia dado tudo errado. Falhara na missão de proteger as duas, ou melhor, três pessoas que mais amava no mundo. Haven acabara de confirmar suas suspeitas: Elayne realmente estava grávida. E em algum lugar, ela e Zander estavam sendo sentenciadas à execução, também. Elas iriam pagar pelos crimes que Yooran havia cometido.
Seriam mortas por sua causa.
Ele não podia permitir.
Fechou os olhos e tentou se concentrar, no intuito de produzir fogo pelo corpo e se libertar das amarras que prendiam seus braços, mas nada aconteceu.
Algo o estava bloqueando.
Paollus riu da tentativa de fuga de Yooran.
- Não desperdice seu tempo tentando usar seus poderes. Estas cordas são feitas de um material chamado chrysalis, um cristal mágico que impede os Hereges e os Amantes de utilizar suas habilidades especiais.
- Não há como escapar, Yooran - Haven completou. - Aceite seu destino. Aceite sua ruína.
Paollus girou o pulso para o lado e as cordas que prendiam Yooran começaram a ser puxadas por uma força invisível em direção ao pavilhão. Enquanto andava pela caverna, Paollus e Haven andavam atrás dele, gritando e chamando a atenção de todas os Amantes do Alvorecer ali perto.
- Contemplem diante de vocês um traidor da Tribo! - Paollus gritava com o braço estendido para a frente e a palma da mão bem aberta, manipulando as algemas de Yooran, impulsionando-o a continuar seguindo em frente. - Este homem, ao qual todos depositamos nossa confiança, nos traiu, matando nossos irmãos ao invés de lutar contra os Hereges!
Várias exclamações e suspiros de supresa tomaram conta de todos. Afinal, Yooran era um dos líderes de extrema confiança de todos.
- Ele mesmo matou quatro de seus generais, sem piedade, assim aliando-se aos nossos inimigos mais letais - Haven dava continuidade ao discurso de Paollus. - Eu vi! Eu estava lá. Quando nossos oponentes explodiram uma árvore que matou metade dos nossos soldados, ele nem se deu ao trabalho de prestar socorro aos moribundos sobreviventes. Mas para ao azar dele, diferentemente dos outros que morreram, assassinados de maneira covarde, eu sobrevivi e utilizei minhas forças restantes para reportar a Paollus o que havia acontecido. E agora, nós trazemos diante de vocês o traidor! Dêem para ele o que traidores merecem!
Vaias surgiram da multidão que agora os acompanhava, e não demorou muito para começarem a lançar objetos em direção a ele: pedras, sapatos, comida estragada, lâminas. Os Amantes simplesmente materializavam qualquer tipo de coisa que lhes viesse a mente e arremessavam em Yooran.
Ele estava sujo, desgranhado e maltratado, mas aquela humilhação era o de menos. Ele sabia no que estava se metendo. Sabia dos riscos. Mas esperava poder salvar Elayne e Zander. Onde elas duas estavam? Paollus não podia estar falando sério quando disse que também as mataria. Ou podia?
- Agora, para estabelecer a ordem novamente e deixar claro que nenhum tipo de traição será perdoada, iremos executar este homem imediatamente, aqui, na frente de todos, para que vocês lembrem todos os dias que nenhuma ação contra nossos propósitos sairá impune. - Paollus disse, soando como um fascista ensandecido.
Yooran estava feito um lunático vasculhando os rostos na multidão que crescia rapidamente, em busca dos rostos familiares da esposa e da filha, mas não obteve resultado. Ao invés disso, se deparou com o olhar sedento de sangue de pessoas que até pouco tempo atrás o admiravam. Estas pessoas, que tanto o respeitavam, agora queriam sua cabeça.
Queriam vê-lo morto.
E seu desejo seria atendido logo, logo.
O desprezo não o incomodava, tampouco os objetos que constantemente voavam em sua direção, machucando-o até tirar sangue. Um filete do líquido vermelho quente escorria pela sua testa até o queixo. As mãos estavam dormentes devido ao aperto, mas nada era tão doloroso quanto reconhecer que falhara na missão de proteger sua família.
Quando chegaram no pavilhão principal, o maior cômodo de toda a caverna, Paollus puxou as cordas, forçando Yooran a subir um lance de degraus até uma plataforma elevada, de modo que ficaram acima da multidão que estava à fervorosa lá embaixo pedindo por sangue e gritando coisas horríveis para Yooran, enquanto continuavam agredindo-o arremessando objetos.
Era um pandemônio. A gritaria ecoava por todo o salão, ameaçando romper os tímpanos de Yooran.
Ele estava em pânico.
Não podia acabar daquele jeito. Tinha de haver uma saída.
Pense pense pense pense.
Pense.
Ele era esperto.
Já havia escapado de situações muito mais complicadas que aquela.
Mas nas ocasiões anteriores, não era nada além de sobrevivência.
Agora tinha um verdadeiro motivo para continuar vivo...
Viu Paollus acenar com a cabeça, e a multidão se dispersou, partindo-se ao meio, abrindo espaço para alguém passar.
Yooran gritou em agonia quando viu Elayne e Zander serem arrastadas para o espaço recém-aberto no meio da multidão, amarradas e ensanguentadas.
O grito dele só cessou quando Paollus chutou seu rosto, e Yooran começou a choramingar.
Dois guardas Amantes chegaram por trás de Elayne.
Um deles a chutou nas costas e ela caiu de joelhos no chão, cinco segundos depois de a mulher agarrar a faca que estava atada ao cinto do outro guarda e cortar sua garganta com sua própria arma.
Zander correu para amparar a mãe, ignorando o corpo do guarda que Elayne acabara habilmente de matar.
- Deixem a mamãe e o bebêzinho em paz, seus monstros! - Zander gritou com sua vozinha fraca de criança. - Nós não fizemos nada! Papai, o que está acontecendo?
- Tudo ficará bem, Zander, eu prometo! - Yooran respondeu no tom de voz mais firme que conseguiu. Zander fez um gesto positivo com a cabeça enquanto se ocupava em proteger a mãe.
- Uma família de traidores protege um ao outro até o fim, pelo visto - Paollus desdenhou. - Convincente, mas não o bastante.
- Elas não têm nada a ver com isso, Paollus! - Yooran se apressou em explicar. Havia uma única chance de salvá-las. Era agora ou nunca. - Planejei tudo sozinho, sem a ajuda de ninguém. Elayne, minha esposa, não estava envolvida. Ela e minha filha são inocentes!
Paollus se voltou para Elayne, ainda ajoelhada em volta da multidão que trocava sussurros, com o outro guarda logo atrás dela, com a mão na bainha que guardava a espada.
- Isto é verdade, Elayne? - inquiriu Paollus. - Você não sabia dos planos de seu marido?
Yooran a olhou de forma encorajadora, tentando incentivá-la a salvar a própria pele, mas Elayne hesitou. Olhou para o marido, depois para a filha, em seguida envolveu a barriga com os braços quando olhou de forma desafiadora para Paollus.
- Não, eu não sabia dos planos de Yooran - ela confessou, fazendo o marido suspirar de alívio -, mas se soubesse, teria lhe dado o maior apoio possível. Eu teria ficado ao lado dele, lutado com ele e conspirado com ele para derrubar você! - Elayne pôs a mão no joelho e se levantou com alguma dificuldade, ficando de pé e apontando o dedo para Paollus. - Você é um tirano desgraçado e burro, cegado pela sede de poder. Você pode achar agora que é forte, que é indestrutível, mas a sua intolerância e o ódio que você sente pelo os que são diferentes de você te tornam fraco! O ódio não é a arma correta para ser usada em tempos de guerra, e se você continuar dando continuidade a esse ciclo destrutivo de morte e sangue, irá acabar destruindo todos nós! Você não está salvando ninguém, Paollus! - Elayne fez uma pausa para respirar. Yooran estava perplexo. Paollus ouvia com atenção. - Não. Eu não sabia que Yooran era simpatizante dos Hereges do Eclipse. Não fazia ideia, de verdade. Mas se eu soubesse disso, teria lhe dado meu apoio. Você, Paollus, não é o meu líder. Você não me representa. Você não passa de um merda fajuto que teme aqueles que não são iguais a você. Você é uma piada.
Elayne apertou o inchaço na barriga com mais força ao concluir seu discurso. O burburinho que tomava conta do imenso pavilhão cessou.
Yooran estava petrificado, e o mundo não fazia mais sentido.
Ele só voltou a si quando Paollus disse tranquilamente:
- Isso já basta para mim.
E o guarda cravou a ponta da espada atrás da coluna de Elayne, atravessando seu corpo até a lâmina despontar na frente de sua barriga.
Ela deslizou pela lâmina melada de sangue até ficar de joelhos, e quando o guarda retirou a espada, seu corpo inerte caiu no chão, sofrendo espasmos, enquanto uma poça de sangue começava a se formar ao seu redor rapidamente.
Zander foi a primeira a gritar, logo depois Yooran a seguiu na gritaria, criando caos.
As paredes de pedra começaram a tremer. O teto criou rachaduras e pedrinhas pulavam do chão.
A garotinha fez gestos com as mãos, empurrando todos os Amantes para longe dela. Zander tentou correr até a plataforma onde o pai estava, mas Yooran se viu obrigado a sair do estado de estupor.
- Vá embora! - Yooran gritou em meio à confusão que se formava. Quando viu Zander se aproximar, ignorando seu pedido, gritou com mais intensidade, permitindo por fim que o desespero tomasse conta do seu ser. - VÁ EMBORA! CORRA, SE ESCONDA! PROTEJA-SE!
Zander pareceu desnorteada, sem saber o que fazer, com lágrimas interrompendo sua visão, deixando sua mente enevoada, impedindo-a de pensar com clareza, mas entendeu o recado do pai. Não havia como ela salvá-lo. Ele estava além de qualquer ajuda.
Mas ela ainda podia se salvar.
Ela podia se salvar para um dia vingar a morte da mãe e do irmãozinho que nem havia chegado a nascer. E vingar também o pai, que dali a poucos minutos também estaria morto.
Zander aproveitou a confusão que havia causado e correu para longe. Para longe da mãe morta e do pai que estava para morrer.
Para longe daqueles demônios.
Os guardas lançavam bolas de fogo contra ela, e explosões ameaçavam atingi-la. Desviou de um punhal que quase arrancou sua cabeça.
Ela corria e se esquivava habilmente das investidas dos adversários enquanto chorava de forma descontrolada. Chorava abertamente, para todos ouvirem.
Chorou na tentativa de curar a alma e remendar o coração partido.
Zander saltou no ar, esquivando-se de uma rede de captura lançada contra seus pés. Dobrou uma esquina e entrou em um corredor, aumentando o ritmo da corrida e em seguida lançando-se de bruços no chão, deslizando dolorosamente até a parede, onde ela sabia que havia uma passagem secreta no rodapé que servia como uma saída de emergência graças ao seu pai. A passagem abriu e ela passou deslizando por ela como um jato, pondo-se de pé rapidamente quando chegou ao outro lado, despistando seus seguidores e ficando em segurança.
A adrenalina tomou conta de seu corpo, mas ela não parou. Seguiu por uma série de túneis escuros e subiu uma escada íngreme, fugindo pelas passagens secretas da caverna até encontrar uma pequena abertura, parecida com uma janela. De lá, ela tinha uma visão ampla do alto do pavilhão onde seu pai estava acorrentado, e ela assistiu à tudo. Continuou chorando, mas obrigou a si mesma a continuar olhando.
Lá embaixo, na plataforma, Yooran estava com os olhos fixos no corpo morto de Elayne. Ela era bela até mesmo como cadáver.
Ele a amava mesmo sendo um cadáver.
Mesmo estando morta.
Perdida para sempre.
Fria, gélida, pálida, vazia, desprovida de calor.
Poderia beijá-la se estivesse perto o bastante.
Sim, sim.
Beijá-la, sim.
Sentir os lábios frios dela nos seus seria bom, sim.
Sim.
Os lábios mortos e frios encontrando os lábios vivos e quentes.
Um último beijo.
O beijo da morte.
Ah, eles estariam juntos em breve.
Ele estaria morto também.
Não tinha pressa.
Logo estariam juntos.
Poderiam se beijar novamente.
Enquanto perdia aos poucos o restante de sua sanidade mental, Yooran nem ousou imaginar que Zander havia conseguido escapar e que estava naquele mesmo instante observando-o, escondida.
Paollus olhava para a multidão perplexa, mas suas palavras foram dirigidas exclusivamente a Yooran.
- Eu não tive o prazer de matar aquela garota maldita com minhas próprias mãos, mas a satisfação de te destruir ninguém me tira. E antes de você morrer, quero que você saiba que iremos caçá-la, encontrá-la e matá-la. - Paollus ergueu sua espada acima da cabeça. - Logo em breve ela estará com você e a sua esposa...
- Vou encontrar você em todas as vidas e até mesmo depois da morte, meu amor - Yooran sussurrou, abrindo um último sorriso e aceitando seu trágico destino com o coração aberto.
Então Paollus cortou o ar de cima para baixo violentamente, segurando o punho da espada com tanta força que os nós de seus dedos ficaram brancos.
A cabeça sangrenta de Yooran caiu no chão e rolou até os pés de Paollus, que jogou a espada para o lado e produziu ondas de fogo que por sua vez carbonizaram o tronco decapitado de Yooran.
Ele agachou e pegou a cabeça pelos cabelos, olhando para ela como se estivessem conversando.
- Você será um belo enfeite na cabeceira da minha cama - disse, beijando a testa da cabeça decepada. Em seguida se dirigiu à multidão, erguendo a cabeça e exibindo como se fosse um prêmio. - Que isso sirva de lembrete para vocês e os faça recordar todos os dias a quem vocês devem ser fiéis.
A multidão ecoou vivas e congratulações a Paollus enquanto as chamas consumiam o que sobrou de Yooran.
Zander não piscou uma vez sequer durante todo aquele tempo. Queria ter corrido e salvo o pai, mas sabia que não tinha forças para enfrentar um exército sozinha. Era apenas uma criança. Além disso, se saísse do esconderijo, iria desobedecer o último desejo de seu amado pai.
As cinzas de Yooran começaram a flutuar pelo ar, como finos e mórbidos flocos do neve. Aquilo era tudo que restava do seu pai.
A única parte dele.
- O mundo pertence aos fortes, Yooran, e agora você não faz mais parte dele! - Paollus gritou para as cinzas sopradas pelo vento, jogando sua capa branca esvoaçante para trás e brandindo os braços para o alto, tomado por uma alegria homicida.
Quando uma cinza foi soprada pelo vento e adentrou o espaço onde Zander estava escondida, ela a pegou com toda a delicadeza e fechou a mão sobre a cinza, jurando a si mesma que cedo ou tarde ela mesma acabaria com a vida de Paollus.
Ele também acabaria cedendo às cinzas e seria soprado pelo vento rumo ao rio do esquecimento.
Poderia levar o tempo que fosse, mas ela vingaria a morte dos pais.
- Um dia, quando você estiver se sentindo seguro e achar que está perto de vencer, Paollus, eu irei aparecer e acabar com tudo. - Zander sussurrou em meio ao pesar e a fúria, observando seu inimigo se vangloriar. - Eu irei matá-lo. Irei, sim. Irei matá-lo. Você não irá mais fazer parte desse mundo quando eu pôr as mãos em você.
Seu pai.
Sua mãe.
O bebê que nem havia chegado a nascer.
Eles todos seriam vingados.
Era sua promessa.
Sua escolha.
Sua marca.
Seu destino.
E ela iria cumprir, de um jeito ou de outro.☆☆☆
NOTA DO AUTOR
E aí, princesos e princesas, tá tudo bem com vocês? Eu tô de boa, graças à Allard. Então né, estou aqui só para lembrar a vocês da importância que os votos e comentários têm para mim e para essa história. Isso ajuda bastante na divulgação e me motiva a continuar escrevendo para vocês. O motivo da demora para eu postar capítulos frequentemente são basicamente falta de estímulo, porque muitas vezes eu não tenho um feedback legal da parte de vocês. A partir da agora, o enredo vai tomar novos rumos e a coisa vai ficar realmente pesada, com muita ação e bastante aventura. Com esse ritmo mais acelerado, espero conquistar mais leitores e assim, quem sabe, vir a postar os capítulos com mais frequência.
Então, acho que isso mesmo. Quero agradecer por terem lido até aqui, E POR FAVOR, NÃO ESQUEÇAM DE VOTAR E COMENTAR, ISSO ME ALEGRA/ AJUDA BASTANTE OK ♥
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Escolhidos - Entre os Hereges e Amantes [Livro 1]
FantasyTudo o que você mais ama pode sumir em um piscar de olhos. Maeve LeBlanc levava uma vida tranquila ao lado dos pais, até que um dia a garota sofre um ataque que resulta no sumiço repentino e misterioso de Katrina, sua mãe. Depois de meses tentando d...