O tempo passa a ser confuso quando somos mantidos presos, escondidos, gradeados, guardados.
Antes, há dias, há semanas, as coisas eram diferentes. Os barulhos não assustavam tanto e até a mais precária das coisas passava despercebidas porque conseguimos notar que o tempo não espera, não podemos parar. Até que somos forçados a parar.
Antes, Mauricio e Beto eram irmãos. A história deles era convincente, ninguém suspeitava.
Ao dia eles eram irmãos porque seus cabelos escuros combinavam, porque o nariz de Beto apesar de mais afilado, seus olhos eram castanhos escuros como o de Mauricio, compensava, combinava.
À noite, ainda antes, eles eram amantes.
À noite eles iam para casa, onde, diziam, seus pais pediram que cuidassem até a morte. Tinham duas, uma separada da outra, mas usavam apenas uma em segredo. Eles haviam começado ali em algum momento tocando um no corpo do outro, devagar para aproveitar. Os dedos de Maurício sempre foram mais longos, com calos, seus braços, os mais fortes. Ele gostava de pôr Berto no colo e segurar sua cintura perto de si: ele tinha que tentar colá-lo.
E tinha que fazer silêncio.
Tinham que tomar cuidado.
Mesmo que amar requeira barulho de vez em quando.
O amor deles durava horas.
O amor deles começava com pressa porque Mauricio temia o fim; este sempre foi o seu medo, afinal. O fim de qualquer coisa, qualquer momento, de qualquer ideia. — Ele temia.
Eles se beijavam naquela cama e tiravam suas roupas, tendo certeza de que a cidade inteira dormia, eles dois, não.
Só dormiam quando estavam exaustos, com o suor sendo uma segunda pele, com o coração se acalmando no peito e as mesmas batidas formando as silabas que eles pensavam enquanto dormiam.
Quando os dias ruins se aproximaram, Mauricio e Beto não perceberam até ser tarde demais.
Estando sentado agora em uma cadeira velha, escondido, peso e murado, Mauricio olha para o que escreveu dois dias atrás em um livro velho: O ano é 1944 e todos estão sendo caçados. O ano é 1944 e tudo está confuso e aterrorizante mas eu não desisti.
O lugar não era um lar, ele também achava que não era uma prisão. Poderia e havia lugares piores que este. Ele sempre tentava pensar em dez coisas que fossem boas aqui dentro, entre as paredes de cimento sem cor além de cinza, do teto de madeira que as vezes rangia, do cheiro ruim que nunca saia. A primeira coisa boa era Beto, que dormia neste momento na única cama que eles tinha conseguido colocar ali — chamar de cama era algo muito bom, porque era apenas um colchão velho, com rasgos e manchas, pequeno demais e com lençóis para afofar. Um travesseiro sujo também.
Beto havia resmungado que, se o colchão era tão ruim, eles podiam ser a cama um do outro. Aquilo o fez sorrir o máximo que pôde. Eles não podiam dormir juntos todas as noites porque um deles sempre tinha que ficar acordado, vigiando.
A segunda coisa boa do lugar era o pequeno rádio que eles tinham. Que estava agora mesmo na sua frente, no tapete velho, colocado cuidadosamente para que nenhum dos dois o quebrasse sem querer. O lugar em que estavam não era grande, nem mediado. Era um pouco apertado, mas o suficiente para os dois. Eles tinham este único cômodo e o conseguiram dividir em três; a sala amadora, que tinha o rádio e uma única cadeira, o tapete fedorento e sujo e dois passos adiante, um cobertor velho e rasgado impedia que eles se vissem fazendo fezes ou mijando, era o máximo que conseguiram tão depressa e o último ficava ao lado, o quarto que quase nunca podia ser deles dois, um quarto de casal.
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Maiores Que Muita Coisa (Romance Gay)
RomanceThales parou de escrever depois que seu meio-irmão estragou esse sonho. Entretanto, ele decide tentar mais uma vez em um concurso de escrita na escola, com a ideia, porém, de estar sob um pseudônimo. A escrita se torna apenas mais um de seus segredo...