Capítulo Trinta e Um

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Li a maioria das minhas notas. Não tive coragem de apagá-las.

Minha mãe apareceu no meu quarto um pouco mais tarde do que de costume e eu fingi estar dormindo. Ouvi ela conversando com Arnaldo na sala enquanto assistiam à Matilda. Minha mãe perguntou o que tinha acontecido comigo e Arnaldo respondeu que não sabia, que tentou conversar comigo — e foi verdade, mas eu o dispensei enterrando a cabeça no travesseiro.

Quando acordei percebi que ela havia me mandado uma mensagem.

"Deixei maçãs no balcão. Leite condensado no armário"

E isso me deu coragem para sair da cama.

Encontrei Álvaro sentado no sofá. Ele se levantou em um pulo quando me viu, em seguida me abraçou apertado o suficiente para que eu reclamasse. Só que não reclamei, eu precisei da força dele para lembrar que ainda estava aqui, vivo e sentindo dores e com ele.

— Estava esperando você se levantar.

— Maçãs e leite condensado — resmunguei.

Ele riu no meu pescoço.

Havia uma pergunta pairando entre nós que eu não queria responder. A verdade é que eu me sentia um lixo e se eu falasse mais um pouco sobre isso, ficaria mais pesado ao ponto do meu próprio corpo se tornar denso e a densidade me faria desabar. Me mantive respirando o cheiro da pele dele, que estava perfumada para me acalmar. Parecia que era essa a função do corpo dele, me acalmar quando eu estou denso e destrutível, parece que é esta a função dos dedos dele na minha nuca e do corpo dele no meu, apenas me acalmar.

— Apaguei a história.

— Todo mundo apagou. Você podia publicar em outro lugar.

Neguei com a cabeça.

Já havia pensado em publicar o que tinha em mente em outro lugar, só que eu não conseguia fazer com que minha mente e meus dedos trabalhassem o suficiente para fazer um bom parágrafo, ou boas metáforas. Eu sentia que não conseguia mais.

Percebi que tudo isso que eu pensava, estava falando para ele, e quando fechei minha boca, não lembrei de ter começado a falar nem de ter começado a segurá-lo com mais força.

— Posso ficar aqui se você quiser.

— Meu plano era comer e dormir.

Ele parecia querer dizer algo. Até começou, mas se interrompeu com um resmungo.

— O que foi?

— Tenho uma coisa pra você. Era para eu dar no seu aniversário, mas acho que você precisa agora. — Suas mãos largaram minhas costas para pegar algo no bolso.

— Você escreveu um conto para mim, por acaso?

— Não. É mais... Uma mistura de coisas que eu não consegui escolher. Então resolvi fazer todas.

Não sabia o que estava escrito nos papéis, mas sabia que havia sido ele quem escreveu e isso me fez ficar quente em todas as partes; por vergonha e por ansiedade. Disse que poderíamos ficar na sala.

— Vou só pegar meu lanche.

Quando me sentei, ele pegou o primeiro papel que tinha marcas de dobraduras.

— Só para constar... Não existem músicas de um homem para outro então...

— Continue. — Dei uma mordida na maçã. Álvaro limpou a garganta e cantou.

Cantou You Belong With Me para mim.

Minhas mordidas se tornaram lentas até terem parado de vez com a voz dele ecoando pela sala. Ele canta de um jeito calmo, mesmo que há segundos seus dedos estivessem tremendo enquanto ele segurava a folha com a letra. A voz dele era maravilhosa. A voz dele me deixou arrepiado.

Maiores Que Muita Coisa (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora