Capítulo Dezessete

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— Ainda não entendo — murmuro.

Meu caderno está no meu colo e estou sentado no banquinho de madeira como uma criança; joelhos e ombros encolhidos, cabeça baixa.

E com raiva do garoto que está tentando me ensinar química.

— Você é um péssimo professor — digo a Álvaro. Ele está usando o próprio caderno para me ensinar. Não que a letra dele seja feia, na verdade é bem delicada, mas eu não consigo entender nada!

— Não sou um péssimo professor. Você que não está prestando atenção.

— Não estou uma pinoia!

Ele ri.

Quero jogar meu caderno na cabeça dele.

A bochecha dele ainda está com um machucado se curando. Vermelho e levemente arroxeada, parece o céu ao entardecer, mas feito brutamente. Eu evitava olhar para os ferimentos dele porque me lembrava de duas coisas, a primeira era que o pai dele não recebia nenhuma punição por isso e que eu não poderia dar uma punição a ele por isso. Há um tempo eu venho desejado a não ser como meu pai, que só liga para as próprias opiniões. Agora venho desejando não ser como a maioria das pessoas, eu queria ser diferente e justo. Só tinha que lutar por isso mesmo que minha família não lute.

Temos tentado não evitar o assunto. Foi uma das primeiras coisas que disse a ele que não queria neste relacionamento: evitar assuntos. Eu já fazia isso demais dentro de casa. Com ele, não.

Deixei o caderno de lado.

— Meu pai vai chegar soltando fumaça pelo cu e pelo nariz quando descobrir que eu não convenci minha mãe a desistir do emprego.

Álvaro deixa o próprio caderno sobre o meu. Ele se senta na madeira. Ficamos frente a frente agora.

— Ele vai ficar legal.

— Até parece que você não conhece meu pai — reviro os olhos e pego uma pedrinha do chão —, ele se importa com as coisas dando certo. A ciranda não pode tocar em outra sinfonia que não a dele. — Jogo a pedra longe.

— Eu entendo. Meu pai é igual.

Certo. Talvez evitássemos a conversa de quem é o pior pai e das coisas que passamos. Não sei se isso é uma boa ideia.

— Como foi em casa? — Perguntei. Quis perguntar isso desde que ele pisou aqui.

Mas tive que abraçá-lo primeiro, saber que não havia novos ferimentos. Ele me garantiu que não havia e só para comprovar isso mesmo, eu o abracei o mais forte que podia.

— Meu pai me ignorou por completo. Isso é bom.

— Acho que é — sinto-me desconfortável com isso. — Clara e Carol?

— Não sabem de nada. Só que... Silvana vai vir para casa.

— Sua irmã mais velha? Ela sabe?

Ele assentiu.

— Ela chega hoje à noite. E... Como eu posso dizer isso... Você e ela não se conhecem pessoalmente e eu queria, quer dizer, eu queria muito mesmo que você e ela... — Ele olha para suas próprias mãos.

— Você anotou isso? — Pego sua mão com rapidez e vejo.

Ele deve ter anotado isso enquanto eu olhava para a porra da tabela periódica no meu caderno. Seu rosto está vermelho de vergonha. Talvez Álvaro queira enfiar a cabeça na lama do celeiro só para evitar me olhar.

— Você só tem que dizer três palavras — digo.

— Quais?

— Eu. Te. Pago.

Maiores Que Muita Coisa (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora