Capítulo dois

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Em dez dias eu estarei embarcando para Alemanha, mas enquanto isso não acontece, preciso correr contra o tempo.

Tento deixar ao máximo grande parte do meu trabalho em Nova York feito. E sem contar os dias que fico até altas horas debatendo com Poncho sobre a nova filial. Queremos que tudo seja perfeito e que não haja nenhum tipo de imprevisto, porque eu preciso mesmo estar de volta em dois meses.

Poncho parece mais calmo. Tem até se permitido trocar figurinhas sobre bons lugares para visitar na Alemanha.

Hoje é sexta feira e já passam das oito, mas ainda estamos trancados na sala dele discutindo estratégias financeiras.

— Chega por hoje. — Ele diz, encostando-se em sua própria cadeira e se permitindo relaxar. — Vou deixar você aproveitar a sexta feira.

Rio, porque me soa como uma piada.

— Não entendi essa risadinha. — Ele franze a testa. — Qual é o seu programa pra hoje? Barzinho? Balada?

— Errou feio! O meu date perfeito hoje, será tomar um banho relaxante e deitar em minha  king size.

— Quer mesmo que eu acredite nisso? — Ele me olha.

— Ah, qual é Poncho! Tenho trabalhado há dias sem parar. Acha mesmo que tenho disposição pra uma baladinha hoje?

Ele ri.

— Tenho um convite pra te fazer.

— Lá vem...

— Calma, juro que não é nenhum leilão beneficente. — Se defende. — Amanhã vai ter aquele jogão dos Yankees. O que você acha de irmos assistir?

Desde criança sou fã de beisebol e torcedora dos Yankees. Essa é mais uma coisa que temos em comum.

Penso a respeito e respondo:


— Acho melhor não... — Hesito. — Você sabe que eu odeio a forma que vocês assistem beisebol.   — Reviro os olhos. — Esse lance de camarote faz perder todo o sentido pra mim.

— Vamos de arquibancada.

Solto uma risada de incredulidade.

— Como se a sua noiva fosse concordar com isso.

Minhas palavras saem em forma de ironia e me recrimino, porque não era essa a minha intenção.

E sim... Eles estavam noivos!

— Nicole não irá.

— Não? — Pergunto, sem conter a surpresa na voz.

— Não. Ela tem outros compromissos. — Explica. — Seremos só nós dois.

Preciso concordar que estou aliviada. Assistir jogo com Nicole é um saco. Além de querer sempre estar no lugar mais caro do estádio, ela reclama o tempo inteiro sobre tudo.

— Como nos velhos tempos? — Arqueio a sobrancelha.

— Como nos velhos tempos.

— Você sabe que vai ser reconhecido, não sabe?

— Aposto que não.

Fico feliz e animada com o nosso programa de sábado. Há muito tempo não assistimos um jogo sozinhos.

Sábado estou pronta e esperando Poncho passar para me buscar. Estou vestida de forma adequada para um estágio: Calça jeans, camisa dos Yankees  e um tênis despojado.

Poncho me manda mensagem, avisando-me que já está na portaria do meu prédio e eu desço cantarolando.

Entro em seu carro e dou um sobressalto a vê-lo.

Poncho também veste jeans e uma camisa de nosso time, mas não é isso que me surpreende. Ele está com boné, sem barba e usa seu antigo óculos de grau.

Nesse momento me sinto voltando no tempo e vejo Poncho como há cinco anos atrás.

— Poncho, meu Deus! — Não consigo me conter.

— Está tão ruim assim?

— Claro que não... Você só tá meio... irreconhecível.

Ele sorri e eu entendo que era esse o seu objetivo.

Chegamos ao estágio minutos antes do jogo começar. Achamos nossos lugares na arquibancada e logo Poncho nos compra dois copos de cerveja. Bebemos e rimos, até que a partida então começa.

Os Yankees estão em uma temporada sensacional e sei que a chance de uma vitória é grande. Isso nos deixa com a adrenalina a flor da pele.

Mas não é o que acontece. Estamos indo pro intervalo e perdendo.

Olho para Poncho aflita, ele pega mais cerveja para me animar.

Já tínhamos tomado uns dez copos àquela altura.

— Não sofra tanto por isso, você sabe que somos bons em viradas. — Ele sussurra ao meu ouvido e imediatamente sinto minha pele ficar arrepiada.

Nesse momento percebo que várias pessoas voltam sua atenção para nós dois e Poncho me cutuca, apontando para o telão do estádio.

Estamos aparecendo nele. Vocês sabem o que isso significa?

Uma multidão começa a clamar para nos beijarmos. Sinto o meu rosto queimar e tenho a certeza de que minhas bochechas estão vermelhas.

Poncho me olha, sorri pra mim e sussurra novamente:

— Você sabe o que diz a tradição.

Estou pronta para debater, mas não consigo. Em questão de segundos, ele cola seus lábios aos meus. Meu corpo inteiro reage. Estremeço!
Tento ser racional, mas já não consigo mais. Fecho os olhos e a multidão desaparece. Não há problemas, não há um mundo lá fora.

Sua língua molha meus lábios e eu dou passagem. Ele me beija.

Correspondo na mesma intensidade. Sinto que ele afunda os dedos em meus cabelos e me puxa pela nuca.

O beijo cessa. Ele cola sua testa na minha e eu abro olhos, morrendo de medo de encara-lo.

Mas nada falamos.

Apenas voltamos a realidade.

As pessoas já não nos olham mais. O jogo recomeçou e nem nos demos conta.

Poncho continua falando comigo como se nada tivesse acontecido. Como se aquilo fosse mesmo necessário. Como se a vitória do nosso time dependesse daquele beijo.

Eu sei, que superstição ridícula!

Mas os Yankees empatam o jogo. E logo em seguida, viram.

Ele me olha como uma criança que acabara de ganhar um brinquedo novo. Eu sorrio também. Nos levantamos e damos vários pulinhos histéricos.

Ganhamos!









<Notas da autora>

Primeiro beijo
Um Poncho não seria um Poncho sem fazer merda. É isso Brasil!

Without youOnde histórias criam vida. Descubra agora