Capítulo 5 - Fui e Voltei da Loja Virado no Jiraya

1.3K 209 43
                                    

(Valéria)

Voltei para casa só de manhã. Com meu tênis do Gabo na mão, minha calça e a camisa, certa de que havia deixado as meias no bar.

E um puta sorriso na cara que, quando vi pelo espelho do pequeno hall da entrada de casa, me pegou desprevenida.

Parte das minhas olheiras até sumiram. Até meu cabelo, meio desgovernado, estava lindo. Nunca fui moça de sair de noite e transar no primeiro encontro, mas, depois daquela experiência, entendi que deveria dar uma chance aos casos de uma noite só.

Larguei os sapatos na entrada, arranquei o vestido colado que ganhei e me meti em moletons. Coloquei um café para fazer enquanto brigava com os grampos de cabelo que começavam a coçar, e liguei o computador no quarto extra.

Como não tenho filhos e moro sozinha, o menor quarto dos dois fiz de escritório. É onde ficam minhas estantes, meus cadernos e tudo o que faz de mim eu. Quero dizer, pelo menos, as coisas que eu gosto mais.

Sinto dizer, mas não sou desapegada de coisas, não. O que é meu, é meu. E eu costumo gostar e usar muito tudo o que tenho. Principalmente livros, cadernos, coisinhas de papelaria e minha coleção de canecas. Com roupas, maquiagens e essas coisas de cuidado pessoal eu não sou muito ligada, não, mas quando se trata de livro...

Daí eu não empresto, não deixo mexer e tomo o maior cuidado. Quando divorciei, saí de casa com uma mão na frente e outra atrás, mas os livros não consegui deixar, não. Antes mesmo de ter onde morar, sem saber o que caberia em casa e o que não, eu já estava com todas as estantes no carreto esperando destino.

Divorciar foi o maior gesto de autoamor que fiz por mim. Quando casada, a gente tinha tudo. Ele não nasceu rico, mas ficou rico, bem rico. E preferi sair de casa, deixando tudo, do que ter que passar mais um dia naquele lugar.

Meu ex-marido era músico. E um músico bem famoso. Saí de casa aos quinze, quando ele tinha vinte, para ajudá-lo em seu sonho. Já dormimos em todos os alojamentos de caminhoneiros de beira-de-estrada que você possa imaginar, já fizemos shows em todos os brejos do país.

Levamos sete anos construindo uma carreira para ele. Até os meus vinte e dois anos, minha casa era uma mochila. Eu comprava um livro num sebo e vendia em outro, vivia com no máximo dois livros comigo e confesso que li muito naquela época, sempre anotando os que gostava mais, para quando finalmente conseguisse nossa casa.

Aos vinte e cinco, dez anos atrás, a carreira dele estourou. Eu, que sempre fui sua produtora, fui ganhando mais trabalho, mais função, até que um escritório grande o assumiu e eu perdi todas as funções de uma vez. Enquanto ele viajava por aí, de hotel em hotel, eu ficava em casa.

Virei esposa troféu porque não tinha mais nada a fazer. Ele sempre prometeu que me daria o conforto e riqueza que nunca tivemos, mas nunca me disseram o quanto ela seria vazia.

Acho que foi mais ou menos nessa época que encontrei a escrita. Tendo lido muito durante nossa época de vacas magras, eu tinha repertório para escrever o que quisesse, mas só que eu sempre tive um lado muito romântico e muito mocinha para seguir pela vida escrevendo "coisas sérias".

Foi que abri o World pela primeira vez e nunca mais fechei. Escrever virou o meu mundo, a minha rotina, e, se não podia mais viver, eu me realizava escrevendo.

Nunca tinha publicado nada. Nem mesmo em blogs. Sempre tive muito medo que lessem e que me julgassem pelo que escrevia. Escrever, para mim, sempre foi um jeito de voltar para casa. Como se eu conseguisse alinhar meus pensamentos e intenções, usando as minhas experiências e sonhos para fazer algo completamente novo.

Todas as coisas que Deixei por TiOnde histórias criam vida. Descubra agora