Capítulo 63; O rapaz que nunca voltou a casa.

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ALERTA:
Conteúdo explícito de suicídio e morte.

Isto é sobre como Ian Franco nunca mais voltou a casa.

Narra Ian Franco:

Vejo o fumo à distância, mistura-se com a névoa fria da manhã e forma uma única espiral de gás que sobe para o céu.

Neste dia, com um clima tão frio e um céu tão nublado, tenho a estranha sensação de me sentir em casa. A minha verdadeira casa.

Fecho os olhos e respiro um pouco de ar fresco. Quase posso sentir como realmente me sentia em em casa, dentro da minha cabeça, visualizo a imagem das ruas antigas de Kings, aquela pequena cidade localizada em frente ao frio Oceano Atlântico... Lembro-me das pessoas, sempre as mesmas com as suas próprias vidas, uma e outra vez a fazer a mesma coisa. Kings era um lugar tão pequeno que às vezes havia momentos em que te sentias tão preso que nem conseguias respirar. Naquela época, eu só queria sair de lá, agora queria poder voltar, mais do qualquer coisa,

Sinto falta da sensação de visitar a baía, com a areia escura debaixo dos meus pés e as fortes correntes geladas que o mar arrastava sobre a cidade.

E acima de tudo, o que sinto mais falta é da minha família. Gostava de poder voltar para eles, mas mesmo que conseguisse fugir daqui, não podia ir ter realmente com a minha família... Já não pertenço ao mundo deles.

Já não posso voltar a casa, porque ela não existe.

Kings ainda pode estar lá, à beira-mar, com a capela da igreja adornada com flores de inverno e ainda pode ter todos aqueles armazéns antigos que estavam tão desatualizados, mas não é a mesma coisa para mim. A minha casa perdeu o significado quando a deixei, e agora estou tão desesperado para voltar pra ela, que não me importo com o que tenho que fazer.

— Elizabeth. — Gritei, a minha voz soou tão estranha no meio das profundezas da floresta.

Vejo a miúda de longos cabelos escuros, está de pé ao lado da fogueira, com a pesada espada na cintura, parece completamente fora deste tempo. Parece tão antiga com esse semblante, que irradia o seu poder.

Não sei se se vira para mim, está tão focada em ver as sobras da sua festa noturna se transformarem em cinzas que duvido que tenha ouvido até mesmo a minha voz. Não importa, acho que não terei que me despedir dela.

Ando na direção oposta, evito olhar para as manchas de sangue que correm na terra, quantas pessoas inocentes massacramos ontem à noite? Mais do que me quero lembrar, ainda posso ouvi-los a gritar dentro da minha cabeça.

Elizabeth perfurou os corações deles com a espada, e eu ajudei-a a rasgá-los em pedaços para os queimar... O velho eu voltou, tornei-me, mais uma vez, no caçador astuto sem qualquer misericórdia pela presa que chora e reza por misericórdia diante dos seus olhos. E desta vez, não consigo lidar com isso. Faço coisas monstruosas, é por isso que não posso voltar para casa, mas também não posso ficar aqui.

Entro na cabana que roubamos temporariamente para este fim de semana, deixo a porta aberta para que o ar frio e o cheiro dos carvalhos altos entrem.

Pego na arma ao lado da mesa e levo-a até o meu peito.

Uma lágrima quente rola pela minha bochecha, não me preocupo em limpá-la, depois de mais alguns segundos, as lágrimas transformam-se numa forte chuva torrencial que desce pelo meu rosto. A dor que sinto dentro do peito é a única coisa que me indica que ainda sou humano.

— Ian. — Chama a Elizabeth, atrás de mim.

Aperto o gatilho e deixo o tubo de veneno perfurar o meu coração. Sem mais sangue, sem mais pessoas a morrer por minha causa, sem mais culpa.

— Ian! — Grita a Elizabeth aterrorizada.

Desmoronei no chão de madeira. Não consigo sentir nada. É uma paz tão profunda que não me importo com o que isso realmente significa, vou morrer.

Já não vou voltar a ser um monstro, não vou voltar a casa, não vou ver o meu pai, os meus irmãos, não vou fazer mais nada, porque a minha vida acabou.

— Não, não! — Chora a Elizabeth sobre mim, sabe que não há esperança para que eu sobreviva, o veneno vai encher rapidamente a minha corrente sanguínea, até que chegue ao meu coração e o pare.

Gostava de lhe dizer que está tudo bem, que não é culpa dela, mas prefiro morrer em silêncio e pensar em todas as coisas que perdi por ela. Tudo o que fiz para salvá-la só me levou ao Inferno. A Elizabeth não tem salvação, nem nunca a vai ter, é da sua natureza ser sanguinária, despiedosa, cruel e monstruosa, não há mais nada nela que ainda possa ser salvo. Não há esperança para ela, e ela sabe-o.

— Ian. — A sua voz perde força, e o seu rosto fica tão borrado pelas lágrimas que derramo que mal consigo me concentrar nos olhos dela... Azul ártico. São como gelo, gelo preso dentro do fogo, mas incapazes de derreter.

Paro de pensar nisso quando sinto que o sentimento de paz começa a aprofundar-se. O meu tempo está a esgotar-se.

Já não a consigo ver, nem o teto desta cabana horrível que não é minha, vejo um céu cheio de espessas nuvens escuras. E com o fim da minha vida, posso ver os últimos restos de tudo o que vivi.

Vejo tudo o que já amei, vejo a minha mãe, a sorrir-me, o meu pai e os meus irmãos, sinto o calor escaldante de estar com a família e, em seguida, esse calor transforma-se num frio incomum, já não vejo a minha mãe, ou alguém que conheço, estou aterrorizado por alguns segundos, até que uma voz doce chega ao meu lado.

Vai ficar tudo bem. — Garante-me a minha mãe, a voz dela flutua no ar sobre mim.

Está tudo bem, Ian. — Sussurra-me a voz de Alison Hale, tão doce como sempre. — Não tenhas medo, estou aqui. — Aquilo tranquiliza-me, não posso vê-la, mas gostaria de lhe poder dizer que lamento muito.

Alison, tenho tanto medo.

Vais ficar bem. — Aquela foi a última vez que ouvi a voz dela, posso sentir a sua presença começar a se afastar de mim. Está-me a deixar ir.

Vais ficar bem. — Insistiu a voz cheia de amor da minha mãe, a mulher que mais amei em toda a minha vida. — Vais ficar bem, querido. — É a última coisa que ouço em toda a minha vida, a voz harmoniosa da minha mãe a dizer-me que ia ficar bem.

Então, tudo acaba.

[.]

NOTAS AUTORA OFICIAL -AliBee

"Em memória do do rapaz de olhos cinzas aparentemente vazios."

"|Sempre nos nossos corações,
Ian Franco|"

-AliBee

For You- Joseph Morgan (Tradução)Onde histórias criam vida. Descubra agora