escrevi este capítulo inteiro enquanto ouvia super rich kids do frank ocean porque tem tudo a ver e acabou entrando nas minhas músicas mais ouvidas de 2021. só uma aleatoriedade que gostaria de compartilhar.
***
Desconfiada e inquieta, Helena passou a semana inteira pensando — e repensando — sobre o inesperado convite de Georgia. Na quinta-feira, durante o intervalo, cogitou conversar sobre as possíveis motivações de Georgia com as novas amigas, mas desistiu quando se deu conta de como soaria maluca e paranoica. Nem mesmo Drica, sempre supersticiosa e excêntrica, entenderia a desconfiança que conflitava os ânimos de Helena.
No fim das contas, decidiu que confiaria na generosidade de Georgia, torcendo, rezando, para que não fosse uma armadilha na qual acabaria sendo o foco de um vexame. Helena estava numa nova cidade, onde tudo acontecia, e queria ser diferente. A nova versão de Helena precisava de amigos.
— Pai — Helena se sentou à mesa, onde Jessé almoçava com o rádio ligado em alguma estação que tocava Raça Negra. — Amanhã vou na casa da Georgia. Acho que ela chamou alguns amigos e me convidou também. Tudo bem se eu for?
Jessé mastigou a comida devagar, olhando para a filha com os olhos semicerrados, quase contemplativos. Ele ainda estava com a roupa de chofer, enquanto Helena ainda estava com a mochila da escola nas costas, o sangue quente depois de ter caminhado todo o caminho de volta para casa. Pela janela, podia ver a avó cumprimentar os transeuntes enquanto cuidava das plantas e desabafava com Flora.
— Ah, os patrões estão viajando — ele se deu conta, lembrando-se de algo que preferiu guardar para si. — Pode ir. Só toma cuidado, tá ok? Não abusa da hospitalidade e não esquece que lá eu sou empregado. Não vai me arrumar encrenca, menina.
— Pode deixar, papai — ela sorriu com graciosidade, enternecendo o coração do pai com a forma carinhosa de se referir a ele. — A última coisa que eu quero é arranjar problemas com aquela família. Dito isso, conhecendo mais ou menos a Georgia, você acha que eu devo ir? Não sei o tipo de pessoa que ela é hoje em dia.
— Para uma adolescente, ela até que não é tão horrível assim — ele disse, checando o horário no relógio de pulso antes de se levantar com o prato vazio em mãos. — Se ela te convidou, acho que deve ir e se divertir. É sempre bom fazer amigos. Se for ruim e você odiar aquela turma, então você volta correndo para casa e ponto final.
— Bela ajuda, pai.
Helena suspirou, meio desaforada pela resposta diplomática que recebeu. Então parou por um instante, dando-se conta da confiança que ele depositava nela. Não era todo pai que tratava a filha de igual para igual, como uma pessoa, em vez de uma extensão de si mesmo cuja individualidade precisava ser podada.
— Na verdade — ela se corrigiu enquanto o observava lavar a louça —, foi uma ótima ajuda mesmo. Obrigada, pai.
Antes que pudesse ser consumida com pensamentos sobre o dia de amanhã, Helena aproveitou a brecha na conversa para se trocar e ajudar a avó com as tarefas domésticas. As preocupações sobre o amanhã podiam aguardar enquanto ela tratava de cuidar da avó.
Quando Helena chegou ao condomínio de luxo da família para a qual o pai trabalhava, bateu, de repente, um misto de pânico e inquietação. Sentiu como se estivesse prestes a cometer um erro horrível, mas pediu para o porteiro, que já a conhecia pela camaradagem que tinha com Jessé, interfonar para avisar sobre a sua chegada.
— Fica em paz, menina — disse ele em tom ameno, liberando a entrada dela pelo portão pelo qual passava um Jaguar que a fez dar um passo para trás.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Questão de Tempo
Teen FictionParte I. Helena Porto conhecia muito bem os dissabores de ser sozinha. Não por acaso, passou boa parte de sua vida lidando com as consequências da tumultuada separação dos pais. Ela só tinha dez anos quando foi levada para outra cidade, e então deze...