1.7. coração na boca, braços abertos

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Os primeiros dias de janeiro foram de muito esforço físico para Helena, que soube dividir o tempo de ócio entre ajudar a avó com as tarefas domésticas e se aprofundar ainda mais na marcenaria com o pai. Na ausência de Jessé, quando ele precisava levar Dona Joana às consultas médicas, ela passava todo o tempo sozinha, cortando e lixando o móvel que se propôs a fazer por conta própria.

De vez em quando, Luiz aparecia para ajudá-la com as madeiras mais pesadas depois de trabalhar na feira a manhã inteira. Ele nunca chegava de mãos vazias, pois sempre tinha alguma sacola cheia de verduras e legumes para o inesgotável encanto de Dona Joana, que, embora suspeitasse do interesse de Luiz por Helena, não estava a par do que vinha acontecendo entre os dois desde o dia vinte e sete de dezembro.

— Como você conseguiu aprender isso tão rápido? — ele perguntava toda vez que ela cortava uma madeira com a serra tico-tico. — Sua avó não fica preocupada com a sua segurança? Eu sei que o seu pai fica, inclusive, ele conversou comigo sobre a sua segurança e a minha também.

— Quê? — Helena terminou de cortar o que precisava, empilhando os pedaços de madeira com muito cuidado. — Quando isso?

— Ah, aquele dia, sabe?

— Que dia, Luiz? Verbaliza.

Usando a força que tinha nos braços, ele pegou a madeira maior, que ela usaria para fazer uma escrivaninha assim que terminasse de montar os nichos nos quais estava trabalhando. Estava tudo tão bem encaminhado que Helena suspirava com muita satisfação.

— A última vez que a gente ficou — ele especificou com certa dificuldade. — Mas não me pergunte quando foi, porque nunca lembro de quando as coisas acontecem. Os dias são muito confusos, muitas coisas acontecem num dia inteiro...

— O que ele disse? — ela perguntou, abstraindo as informações que não eram pertinentes no momento. Luiz se confundia com os próprios cadarços.

— Ele me deu um conselho sobre o que a gente faz aqui — começou a dizer —, e disse que se eu não fosse cuidadoso com as minhas mãos, essa serra pode passar por cima delas e seria muito feio — ele contou, recordando-se do ocorrido com a expressão lívida. — Então eu disse que não encostaria em nada que você não permitisse. Foi o que eu disse, eu lembro disso.

— Ai, droga — suspirou, tirando os óculos de proteção ao se sentar. — Acho que ele viu a gente, por isso estava todo estranho esses dias.

— Por que você acha isso? — agora ele parecia confuso. — Ele não disse nada sobre a gente se beijando.

— Sério, Luiz? — Helena o encarou com um sorriso maleável. — Esse conselho me pareceu uma ameaça, mas que bom que você não entendeu assim.

Ele precisou de um instante, repassando toda a cena na cabeça, até se dar conta com um enorme estalo.

Ah... — murmurou lentamente, passando os olhos pela serra, depois para as próprias mãos. — É, eu acho que ele viu. E agora?

Ele se sentou no outro banco, limpando as mãos sujas de poeira no pano úmido em cima da mesa de ferramentas. Helena o observou com interesse, atenta a cada movimento dele. Luiz era lerdo e atraente do jeito que o diabo — e Helena — gostava.

— Agora já foi — ela deu de ombros, checando o celular com a esperança de ter pelo menos uma mensagem de Georgia. Em vez disso, tinha duas mensagens do pai avisando que passaria no mercado na volta da UBS. — Que tal a gente aproveitar enquanto ele e a minha avó não chegam?

Apesar de bobinho no modo de pensar e agir, Luiz se mostrava sempre muito ansioso e determinado quando Helena se aproximava com segundas intenções. Ele nunca gaguejava quando ela o provocava, tampouco hesitava em beijá-la como ela queria ser beijada, e aceitava de muito boa natureza quando ela dizia chega.

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