1.9. apenas mais uma de amor

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eu gosto tanto de você
que até prefiro esconder
deixo assim ficar subentendido 
como uma ideia que existe na cabeça 
e não tem a menor obrigação de acontecer  
— Lulu Santos


Helena tentava prestar atenção nas explicações de Stella, que a ajudava a estudar para o vestibular desde que as aulas voltaram. Duas vezes por semana, elas se encontravam para uma sessão de estudos. Vez ou outra, Helena se deslocava até a casa dela, em Artur Alvim, onde, para a surpresa de Helena, havia uma sala específica de estudos, com estantes cheias de livros, três mesas redondas e uma lousa branca magnética com anotações e contas caóticas.

Numa das mesas, Helena observou diários de classe, uma pilha de trabalhos que ainda precisavam ser corrigidos e uma caneca personalizada com cálculos e fórmulas, e os dizeres: I am a math teacher of course I have problems.

— Meus pais são professores — Stella disse quando notou o desvio de interesse de Helena.

— Imaginei pela quantidade de coisa para corrigir — ela apontou para a outra mesa, sentindo-se exausta. — Como é ter pais professores? Minha avó é pedagoga aposentada, então imagino que tenha muita pressão.

— Sim, tem, mas não deles — ela balançou a cabeça, fechando o livro de poesia que começou a ler enquanto Helena resolvia as questões de sociologia sozinha. — Meus pais são meus eternos apoiadores, sabe? Às vezes, chega até ser sufocante o quanto eles estão sempre ali, bem perto para qualquer coisa que eu precisar.

Uau — Helena suspirou, admirada. — Isso é bem legal.

Stella deu de ombros, voltando a abrir o livro Sentimento do Mundo, de Carlos Drummond de Andrade, o mesmo que Georgia leu ainda nas férias.

— É, não tenho muito muito do que reclamar — então, depois de um momento, voltou-se para ela com a pergunta: — Já fez suas leituras?

— Leituras? — Helena arqueou as sobrancelhas, confusa. — Que leituras?

— Como assim que leitura? — Stella riu, mas Helena continuou sem entender. — Espera aí que eu tenho aqui as listas da Fuvest, Unicamp e da FGV — ela abriu o caderno no qual tinha todas as anotações importantes, passando os olhos pela lista até mudar de ideia. — Quer saber? Esquece a lista. Aqui, começa com esse daqui que é curto e não vai ser tão ruim assim para você. Considere isso como sua tarefa para a próxima semana. Depois te empresto Vidas Secas, que acho que vai ser bem mais... um desafio.

— Eu não sou bem uma leitora, sabe — Helena comentou com a voz baixa e incerta, encarando as estantes repletas dos mais variados livros, separados por gêneros, antes de folhear distraidamente o exemplar de Stella. — Minha avó lê bastante e tenta me incentivar a ler, mas tenho dificuldade de me conectar. Nem lembro quando foi a última vez que li um livro, para ser bem sincera. Minha escola lá em Chapadinho era muito boa, mesmo, mas não tinha uma aula específica de literatura. A gente lia algumas coisas, discutia nas aulas e tal, mas não um livro inteiro.

— É, eu bem sei — ela assentiu. — Meu pai é professor de português, ele dá aula em duas escolas, e me fala sobre as defasagens do ensino público, e não é culpa dos professores, sabe? Meus pais são professores maravilhosos, isso eu posso garantir. Eu tive aula com eles por três anos, até eu conseguir uma bolsa integral no América.

— América — sussurrou, lembrando-se das vezes que Georgia comentava sobre o colégio em que estudava.

Agora que enxergava Georgia com outros olhos, achava impressionante a quantidade de vezes que pensava nela, mas eram os detalhes daquele sentimento furtivo que a intrigavam.

Questão de TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora