eu gosto tanto de você
que até prefiro esconder
deixo assim ficar subentendido
como uma ideia que existe na cabeça
e não tem a menor obrigação de acontecer
— Lulu Santos
Helena tentava prestar atenção nas explicações de Stella, que a ajudava a estudar para o vestibular desde que as aulas voltaram. Duas vezes por semana, elas se encontravam para uma sessão de estudos. Vez ou outra, Helena se deslocava até a casa dela, em Artur Alvim, onde, para a surpresa de Helena, havia uma sala específica de estudos, com estantes cheias de livros, três mesas redondas e uma lousa branca magnética com anotações e contas caóticas.
Numa das mesas, Helena observou diários de classe, uma pilha de trabalhos que ainda precisavam ser corrigidos e uma caneca personalizada com cálculos e fórmulas, e os dizeres: I am a math teacher of course I have problems.
— Meus pais são professores — Stella disse quando notou o desvio de interesse de Helena.
— Imaginei pela quantidade de coisa para corrigir — ela apontou para a outra mesa, sentindo-se exausta. — Como é ter pais professores? Minha avó é pedagoga aposentada, então imagino que tenha muita pressão.
— Sim, tem, mas não deles — ela balançou a cabeça, fechando o livro de poesia que começou a ler enquanto Helena resolvia as questões de sociologia sozinha. — Meus pais são meus eternos apoiadores, sabe? Às vezes, chega até ser sufocante o quanto eles estão sempre ali, bem perto para qualquer coisa que eu precisar.
— Uau — Helena suspirou, admirada. — Isso é bem legal.
Stella deu de ombros, voltando a abrir o livro Sentimento do Mundo, de Carlos Drummond de Andrade, o mesmo que Georgia leu ainda nas férias.
— É, não tenho muito muito do que reclamar — então, depois de um momento, voltou-se para ela com a pergunta: — Já fez suas leituras?
— Leituras? — Helena arqueou as sobrancelhas, confusa. — Que leituras?
— Como assim que leitura? — Stella riu, mas Helena continuou sem entender. — Espera aí que eu tenho aqui as listas da Fuvest, Unicamp e da FGV — ela abriu o caderno no qual tinha todas as anotações importantes, passando os olhos pela lista até mudar de ideia. — Quer saber? Esquece a lista. Aqui, começa com esse daqui que é curto e não vai ser tão ruim assim para você. Considere isso como sua tarefa para a próxima semana. Depois te empresto Vidas Secas, que acho que vai ser bem mais... um desafio.
— Eu não sou bem uma leitora, sabe — Helena comentou com a voz baixa e incerta, encarando as estantes repletas dos mais variados livros, separados por gêneros, antes de folhear distraidamente o exemplar de Stella. — Minha avó lê bastante e tenta me incentivar a ler, mas tenho dificuldade de me conectar. Nem lembro quando foi a última vez que li um livro, para ser bem sincera. Minha escola lá em Chapadinho era muito boa, mesmo, mas não tinha uma aula específica de literatura. A gente lia algumas coisas, discutia nas aulas e tal, mas não um livro inteiro.
— É, eu bem sei — ela assentiu. — Meu pai é professor de português, ele dá aula em duas escolas, e me fala sobre as defasagens do ensino público, e não é culpa dos professores, sabe? Meus pais são professores maravilhosos, isso eu posso garantir. Eu tive aula com eles por três anos, até eu conseguir uma bolsa integral no América.
— América — sussurrou, lembrando-se das vezes que Georgia comentava sobre o colégio em que estudava.
Agora que enxergava Georgia com outros olhos, achava impressionante a quantidade de vezes que pensava nela, mas eram os detalhes daquele sentimento furtivo que a intrigavam.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Questão de Tempo
Teen FictionParte I. Helena Porto conhecia muito bem os dissabores de ser sozinha. Não por acaso, passou boa parte de sua vida lidando com as consequências da tumultuada separação dos pais. Ela só tinha dez anos quando foi levada para outra cidade, e então deze...