Vou até a praia. Chamo, chamo e nenhum sinal. Lembro que Capitu estava junto da figueira e me dou conta de que nem tive tempo de fazer a inspeção na casa da árvore e ver se está tudo bem antes que as crianças se apossem do meu refúgio de infância.
Começo a andar pela praia, procurando pelas pegadas dela, mas não consigo identificar nenhuma. Escuto outro latido, vindo da casa vizinha à nossa. Paro para observar e a vejo sentada, ao lado de um menino. Ele está mexendo no celular e não me vê. Eu grito:
- Capitu! Aqui, agora! - Ela vem meio arrependida e o menino - na verdade não é bem um menino, é um rapaz - começa a rir - eu digo um tanto constrangida:
- Oi, desculpa ter deixado ela solta aqui, acho que alguém esqueceu o portão da casa aberto e ela escapou...
- Capitu? - ele interrompe incrédulo.
- É o nome dela - digo olhando para Capitu.
- Eu percebi - ele diz sem cerimônia - estou rindo porque achei o nome uma boa escolha...
- É mesmo?
- Não vejo nela os olhos de ressaca que Machado descreveu, mas acho que ela não é lá muito fiel, aposto que trocaria a sua casa pela minha facilmente - ele diz se levantando e caminhando na minha direção.
Que atrevido! Quando ele levantou eu tomei um susto - Não é um adolescente, mas deve ser uns dez anos mais novo que eu, ou seja, um menino! À medida que ele se aproxima eu reparo em seus cabelos castanhos compridos, amarrados num coque frouxo, no alto da cabeça, contrastando com o ruivo brilhante da barba bem aparada.
Ele usa uma camisa de mangas branca e uma bermuda azul escuro, e posso ver que não deixa a academia para depois, embora não pareça nem um pouco um lutador de MMA. A julgar pelo estereótipo, ele deveria ter um monte de tatuagens, mas não consigo ver nenhuma.
Ele caminha firme, deixando suas pegadas descalças na areia, quando atravessa a cerca da casa e coça a barba. Ao chegar mais perto, eu reparo que seus olhos têm um tom verde escuro, acastanhado no centro da íris, mais perto da pupila. Ele não é exatamente lindo, mas, de alguma forma, me esclareceu a fuga de Capitu.
Ciente de que eu deveria estar com uma expressão idiota no rosto, perdida nesses devaneios, respondi:
- Você está enganado, rapaz, Capitu, assim como sua homônima famosa, é muitas vezes tomada por algo que ela não é.
- Vejo que temos divergências interpretativas quanto a Dom Casmurro[1] - ele diz sorrindo com o canto da boca - Meu nome é Benjamin, mas pode me chamar de Ben - ele estende a mão direita - e você é...?
- Olívia, e pode me chamar de Olívia, mesmo - Digo alcançando sua mão e ele segura a minha até que eu olhe em seus olhos. Sinto uma tensão nascer do contato rápido de sua pele na minha.
Benjamin acaricia a cabeça de Capitu, entre nós.
- Vamos, Capitu! - Eu chamo e ela parece nem me ouvir, e segue toda serelepe caminhando ao nosso redor. Minha impaciência aumenta.
- Não se preocupe, Olívia mesmo, não vou raptar sua Capitu - Ele diz me olhando, enfatizando o "mesmo" e chama - Capitu! - Ela vai para perto dele e senta, olhando em minha direção para receber meu olhar de repreensão máxima.
- Não estou preocupada, só fiquei um pouco surpresa, Capitu não costuma ser assim... Tão acessível a pessoas desconhecidas - digo deixando escapar uma pontinha de descaso.
Ele percebe e pergunta, mudando de assunto:
- Vocês estão na casa agitada? - ele apontou com a cabeça.
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Na chuva com Benjamin
ChickLitQuando Olívia fez as malas para ir à praia comemorar os sessenta anos de casados de seus avós, ela pensou que teria alguns dias para refletir sobre os tropeços de seu relacionamento com seu namorado, tão lindo quanto viciado em trabalho, Téo. Acompa...