Capítulo 16

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Entramos no apartamento de Benjamin e, embora seja completamente diferente do que eu esperava, acho que é perfeito para o seu estilo. Fica no Recife Antigo, é um loft em estilo industrial. As paredes são de tijolo aparente e os móveis são feitos de madeira de demolição. Não há divisórias entre os ambientes e, embora ainda faltem alguns elementos de decoração, há uma harmonia precisa.

É como se houvesse a essência de Benjamin por todos os lados. A divisão dos ambientes é sutil, marcada pelos móveis. Há algumas pilhas baixas de livros na mesa de jantar, algumas caixas etiquetadas empilhadas junto à parede.

- O que achou? – Benjamin pergunta interrompendo meus pensamentos.

- É perfeito – digo empolgada olhando ao redor – É tão agradável estar em meio às suas coisas, Benjamin. Embora os móveis sejam todos novos, eu consigo enxergar você em cada um de seus objetos.

Paro quando vejo algumas das fotos minhas que Benjamin fez quando assistimos ao amanhecer da areia.

- Por que você imprimiu essas fotos? – Pergunto mostrando as fotos para ele.

- Porque eu gosto delas, você não? – Ele pega uma das fotos na mesa e me mostra, aquela em que eu não estou escondendo o rosto com as mãos.

- Não! Eu estou acabada nelas, olha só, tinha uns resquícios de maquiagem e minhas olheiras denunciando o sono – digo apontando para a foto na mão dele.

- Não consigo enxergar nada disso que você falou – ele franze a testa - Só vejo você... Linda. – Ele olha a foto por mais alguns instantes, coloca-a em cima da mesa e diz segurando a minha mão - Vem aqui.

Benjamin aponta para o sofá de couro preto e eu me sento. Ele pega um violão pendurado na parede entre uma guitarra e outro violão e se senta na poltrona de frente para mim.

- Agora eu vou cantar para você sem ninguém para interromper – ele sorri, tirando os cabelos da testa, e começa a tocar e cantar Thinking Out Loud, a música que estávamos dançando quando Téo subiu no palco na festa.

Benjamin canta me olhando o tempo todo, direcionando as palavras para mim. Se eu achava que não era possível me apaixonar ainda mais por ele, fui completamente convencida do contrário.

Eu poderia ficar a noite inteira assistindo àquele espetáculo particular. Quando ele termina de cantar e fica me encarando com um olhar afetuoso eu digo:

- Eu achei.

- O quê? – Ele pergunta.

- O amor, aqui onde estamos, como diz a música. Você é bom demais para ser verdade, Benjamin.

- Sou nada, sou só um menino esperto – ele pisca o olho esquerdo e senta no sofá ao meu lado, me beijando carinhosamente.

- Sabia que na primeira vez que eu te vi, eu achei que você tivesse um monte de tatuagens? – Pergunto acariciando seus braços.

- Por quê?

- Por causa do seu penteado, provavelmente - digo e ele ri.

- Eu quis fazer uma tatuagem, uma vez, mas o Dan me convenceu de que não era uma boa ideia.

- E qual foi o argumento dele? – Minha curiosidade não dá trégua.

- Ele disse que as mulheres gostam mais de cicatrizes que de tatuagens. – Ele fala quase perguntando, erguendo a sobrancelha como se esperasse que eu confirmasse a teoria.

- E você tem uma na barriga... Porque você inventou aquela estória sobre a sua cicatriz? – Ele me encara com um olhar sombrio e eu recuo – Tudo bem se você não quiser falar sobre isso...

Depois de alguns segundos, ele responde:

- Não queria, aliás, não quero que você sinta pena de mim, Olívia.

Fico observando-o calada, não arrisco falar alguma coisa e acabar fazendo com que ele desista de se abrir para mim.

Benjamin suspira, como se estivesse tomando coragem, e então começa a falar:

- Quando eu tinha nove anos, eu fui diagnosticado com hepatoblastoma, um tipo de câncer no fígado. E então eu tive que fazer um tratamento quimioterápico e depois um transplante. A cicatriz é da cirurgia do transplante. Meu compromisso misterioso, como você chamou, eram exames de rotina que eu tenho que fazer.

Eu começo a chorar e ele me abraça, carinhoso.

- Está vendo porque eu não queria te contar? – Ele pergunta contrariado.

- Eu não estou com pena de você, Benjamin! Eu estou feliz! Feliz por você ter conseguido um doador compatível a tempo de salvar sua vida.

Ele segura as minhas mãos e eu continuo:

- Eu tinha uma amiga, minha melhor amiga, que cresceu comigo, a Carol. Ela não teve tempo, Benjamin... Ela não conseguiu encontrar um doador, e eu me senti tão impotente... Todos nós estávamos. A família dela, os médicos... Não conseguíamos encontrar um doador... Tínhamos dezoito anos na época, eu e ela. Eu me candidatei para o transplante, mas não éramos compatíveis.

- Eu sinto muito, Olívia – Ele diz enxugando minhas lágrimas.

Respiro fundo por alguns minutos e continuo:

- Alguns meses depois que a Carol nos deixou, eu recebi um telefonema do banco de doações dizendo que eles constataram que eu era compatível com um paciente. Só então eu me dei conta de que meus dados ficaram lá para outros possíveis receptores, depois da tentativa frustrada com a Carol. E então eu fui doar. Meus pais ficaram apreensivos. Na verdade, eles não ficaram muito satisfeitos com a minha decisão de doar uma parte de mim para uma pessoa completamente desconhecida. Não é como se você estivesse doando sangue, Lili – meu pai argumentava... Mas eu não podia simplesmente desistir e deixar alguém morrer, como aconteceu com a Carol. Eu sentia como se eu devesse fazer isso e não só pela pessoa doente, mas por ela. Vovó foi quem mais me apoiou. E eu não me arrependi de ter doado, nem por um minuto até hoje.

Ele sorri e diz:

- Gostaria que o meu doador se sentisse assim, como você.

- Você não recebeu o transplante do Daniel? – Pergunto surpresa.

- Não, não somos compatíveis. Fizemos exames de compatibilidade com praticamente toda a família. Meu pai queria tentar me inscrever em bancos de doadores de outros países, mas depois de mais de um ano após o diagnóstico, finalmente conseguimos um doador anônimo no Brasil, o que foi uma sorte descomunal.

- Foi realmente incrível, Benjamin – digo abraçando-o e ele se levanta:

- Quero te mostrar uma coisa.

Enxugo minhas lágrimas e ele começa a mexer em uma das caixas que estão próximas à cama. Ele tira um envelope de papel pequeno de dentro de um livro e lê em voz alta quando se senta ao meu lado de volta:

Você me deu o maior presente que eu poderia ganhar. Desejo uma plena recuperação.

Eu recomeço a chorar e ele diz:

- Eu gosto tanto desse bilhete, porque na verdade, quem recebeu o maior presente que poderia ganhar fui eu! – ele sorri - Mamãe tentou descobrir quem foi o doador, mas no hospital falaram que não podiam dizer, então só sei que o doador escreveu esse bilhete e mandou entregar no meu quarto no hospital, com um pequeno...

- Vaso amarelo com peônias brancas – eu o interrompo, completando a sua fala enquanto as minhas lágrimas escorrem pelo meu rosto e ele arregala aqueles olhos, surpreso. Só então eu consigo entender porque cada vez que olho para ele, eu posso ver, refletido nos seus olhos, o afeto que nos une... que não cabe em mim.

Fim

Na chuva com BenjaminOnde histórias criam vida. Descubra agora