Motos, cerveja e rock'n'roll

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Pela décima vez eu perguntava ao espelho se minhas roupas estavam apropriadas para o encontro que eu teria com Lucas nos próximos minutos. Pelas pistas que ele deu mais cedo eu acreditava ser um lugar descontraído e por isso não precisava de grandes produções. No entanto, a verdade era que minha preocupação não se restringia apenas ao acerto no código de vestimenta para o lugar que iríamos, mas se o oficial que estava ocupando minha mente e sentimentos nos últimos tempos se agradaria da forma com que eu fosse vestido, se ele se sentiria inspirado, desejoso, admirado e até mesmo orgulhoso. De uma hora para outra a satisfação de suas vontades estava ganhando imperativa importância para mim e eu não sabia em que medida isso poderia ser bom ou ruim, fato era que eu ficava feliz.

Minha vida estava de cabeça para baixo, o Hendery atual estava lidando com coisas que ele não conseguia sustentar sozinho, parecia muito imprudente sair para o mundo diante de tais circunstâncias, mas por aquela noite, por aquelas hora eu me permitiria, me deixaria ser irresponsável, ingênuo, curioso e ansioso. Como uma criança que ultrapassa o limite de seu berço e fica pronta para descobrir o mundo. Eu não sabia se o antigo Wong Kun Hang estava vivendo ou existindo, não sabia se ele amava, ou se sentia solitário, sabia apenas que ele deu espaço para que eu seguisse daqui e eu me permitiria ser feliz, eu me permitiria me aproximar de Lucas, de ter seu gosto em minha boca e seu calor em minhas mãos, eu deixaria uma noite inofensiva ser importante esquecendo do terror que habitava os domínios íntimos da minha mente. Apenas por aquela noite eu queria ser feliz e deixar as coisas rolarem sem pretensão ou planos, sem medo ou receios, apenas curtir ao lado de alguém que estava tomando espaço num território desconhecido pelo próprio proprietário.

O céu já vestia seu manto negro adornado de estrelas e um barulho de motor de moto se sobrepôs ao som alto de Seishun Kyousoukyoku do Sambomaster. Era Lucas. E nem precisei atender a necessidade súbita de meus olhos confirmarem sua presença de frente ao meu portão. Quando fechei minha porta e segui ao seu encontro tive a certeza que fui agraciado pelo universo: Yukhei parecia uma versão oriental e mais deliciosa de James Dean no clássico Rebel Without a Cause dos anos cinquenta, tua jeans grossa marcava os músculos da sua coxa e panturrilha, e não por ser necessariamente justa, mas sim pelo seu físico ser rígido e definido demais para o molde da calça. A bota de couro presunçosamente estilosa em preto estava amarrada com cadarços marcados que indicavam a força posta em sua amarração. A camisa preta surrada de gola rasgada trazia o rosto da caveira do Misfits quase em decomposição e uma jaqueta de couro da Hard Rock Biker dava o tom final de imponência, mistério e perigo para a áurea de Lucas. Quando o capacete foi apoiado em sua perna e ele ajustou os fios que caiam na testa para trás eu não pude deixar de ficar de boca aberta, aquele era realmente o Lucas e não mais Wong Yukhei o agente fardado em disciplina e regras. Eu poderia morrer naquele exato momento com a certeza que aquela visão era a imagem do paraíso. Vê-lo tão diferente, jovial, livre e provocativo me fazia desejar quebrar seus protocolos, suas regras, participar de um crime junto a si, de burlar as leis, de fazer Lucas ultrapassar cada limite seu em total descontrole. Ele parecia um badboy, alguém que exalava problemas dos quais você desejaria se meter. Cada parte sua era um convite a uma prisão perpétua e eu estava no seu corredor da morte a muito tempo, mas só agora eu enxergava nitidamente a extensão do seu caminho.

— Uau! - Foi a única coisa que consegui dizer quando me aproximei daquela composição perfeita chamada Lucas e de imediato fui embriagado pela fragrância do perfume profundo e acobreado que ele usava. - Você está em cima de uma Rally Dayson?

Lucas sorriu com aquele brilho ofuscado de quem achava graça de minha inocência. O cara ocupava o topo de sua profissão e pelo o que observava ele deveria ter uma vida de classe média bem alta que permitia essas excentricidades como possuir uma moto de valor que ultrapassasse seis dígitos.

Afraid - Medo InvisívelOnde histórias criam vida. Descubra agora