Lembranças Veladas

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O silêncio da noite era inversamente proporcional ao barulho dos batimentos em meu peito, tamanho o medo que me consumia. Eu estava sendo perseguido por alguém. O barulho de passos fortes começou a crescer novamente, então eu corri o máximo que podia pelas escadas do 10° ao 7° andar. Depois que comecei a fugir, a energia do prédio tinha acabado resultando na impossibilidade de usar os elevadores e ainda a dificuldade de locomoção devido ao breu que os andares tinham se tornado. O prédio encontrava-se vazio, nem meus maiores gritos por socorro e ajuda alcançaram uma mísera alma ao menos. Eu estava sozinho, fugindo entre os andares em meio ao breu tentando uma oportunidade de sobreviver.

A porta de emergência do 6° andar estava aberta então eu adentrei apressadamente. A visão estava prejudicada devido a falta de iluminação, e encontrava-me na dualidade de seguir pelas escadas ou entrar no corredor. Escolhi a segunda opção. O silêncio denunciava qualquer ruído e isso alimentava a minha tensão. Dei alguns passos escorando pela parede, forçando as portas na tentativa de abri-las mas sem êxito. Então sem preparo escuto o barulho de passos vindo em minha direção. Corri, da forma mais rápida e desesperada que pude. O som de uma lâmina espalhou-se no ar e eu já tinha a plena certeza que morreria. A pessoa que me perseguia estava focada em me matar. Eu havia cometido um grande erro nessa noite, o destino cruzou nossos caminhos e provavelmente eu não sairia vivo desse encontro. Eu só queria sair desse prédio, fugir pra bem longe. Vivo.

O corredor parecia não ter fim. Eu estava cansado, cheguei no outro lado continuei descendo as escadas correndo desesperado, ouvindo a lâmina me seguir. Eu não aguentaria mais, poderia cair a qualquer momento de cansaço e ceder. Seria mais fácil. Valeria mais a pena continuar?

O barulho da perseguição crescia, minha boca sugando o ar enquanto as pernas rígidas largavam em altas passadas fazia uma melodia sinistra com o som da bota e da lâmina que vinham logo atrás. Virei no segundo corredor à esquerda sem muito pensar o que me deu alguns segundos de vantagem, e como um presente avistei uma grande janela de vidro. Eu não pensei direito, apenas segui meus instintos. Corri ainda mais na direção daquela que parecia ser minha salvação. Inclinei meu corpo e deixei meu ombro mais a frente enquanto corria ainda mais. A figura que me perseguia vacilou, desacreditando no que eu faria, o que me deu mais alguns segundos de distância e vantagem. E desejando a vida. Desejando sobreviver mas sem saber como, eu me atirei contra a vidraçaria. Joguei o peso inteiro do meu corpo contra o material transparente. Não pensei onde eu cairia, se eu conseguiria fugir da morte ou apenas tinha adiantado meu encontro com ela. Quando senti passar pelos cacos no ar e o vento frio me abraçar, senti alegria, tinha saído do prédio, eu iria viver? Quem me perseguia pulou também? O que aconteceria? Eu agi certo? Eu não sabia. O ar me abraçou e um escuro me tomou por inteiro após um impacto. Engolido pelo breu eu me deixei entregar, se a morte era aquilo, eu estava feliz, era um caos silencioso, escuro e acolhedor.

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Submerso num profundo silêncio, num profundo não existir. Onde nada se movia, nada parecia ter expressão. Era como se eu estivesse angustiado, suspenso entre o início e o fim. E essa angústia era a única amiga durante um tempo que eu nem sabia contar, parecia que eu estava assim a minha vida inteira. No entanto, em algum momento que eu não sabia qual algo diferente surgiu no meio desse nada, um som contínuo, um som irritante que cada vez mais crescia, crescendo tanto que me fez acordar.

Um clarão feriu meus olhos e com muito esforço e dificuldade eu abri aos poucos a janela de minha alma. Eu estava vivo. Pisquei inúmeras vezes e umedeci meus lábios. Eu não sabia onde eu estava e sentia que alguma coisa tinha acontecido comigo. Parecia que algo faltava e isso começou a me assustar, o medo veio e na medida que meus olhos percorriam aquele espaço desconhecido o pânico também crescia.

Afraid - Medo InvisívelOnde histórias criam vida. Descubra agora