𝐏𝐞𝐥𝐨𝐬 𝐎𝐥𝐡𝐨𝐬 𝐃𝐚𝐪𝐮𝐞𝐥𝐞 𝐪𝐮𝐞 𝐕𝐢𝐮

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288 horas depois do incidente

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288 horas depois do incidente

Só Deus sabe o quanto é animador para um enfermeiro ver seu paciente acordando depois de um tempo inconsciente por causa de algum impacto ou cirurgia. Vê-lo recuperar a consciência, mesmo que seja aos poucos, para mim, já é um milagre. É sempre mais confuso para o paciente. O que ele sente, a dor, o porquê daquela dor, quem são aqueles que estão ao seu redor, o sentimento de estar em um lugar como estes... é sempre mais confuso para eles. É a simples e compreensível perspectiva deles.

Tem pessoas que quando o assunto é hospital pensam em acidentes catastróficos e outras que pensam em milagres. A verdade é que nunca existiu um lado certo para esta moeda que é o lugar onde estou, onde frequento, onde trabalho. Há a desaprovação da morte e o milagre da vida sempre caminhando lado a lado por estes corredores silenciosos, observando o nascer de uma criança e a doença de um idoso, falo isso de maneira generalizada porque sei exatamente que em algum momento essas imagens já se passaram pela sua cabeça.

Nós apenas fazemos o máximo que podemos e assim esperamos a vida passar — ou pelo menos o paciente voltar para as nossas mãos, o que seria a última coisa que passaria pela nossa cabeça ao ver o sorriso daquele que sai pela porta principal com toda a equipe médica aplaudindo e vibrando no caminho.

Não sou uma pessoa pessimista, por favor, nem imagine em minha pessoa pensando nesse tipo de coisa! É que…como observador deste lugar, só consigo chegar a conclusão de que a vida é uma linha fina e tênue, um vislumbre de coisas boas e ruins que trazem sentido à vida de  quaisquer perspectiva, algo frágil que não conseguimos enxergar com clareza pois a rotina nos leva viver em modo automático.

E este lugar me faz acordar e ver que é realmente intrigante e simplesmente entediante continuar pensando nisso. O pior é que até então meus pensamentos nunca sequer chegaram em conclusões ou assuntos tão maçantes como este.

Já fazem duas semanas em que penso como as coisas poderiam ter chegado a este ponto.

Já vi coisas horríveis acontecerem bem na minha frente; o esperado para alguém que se formou para trabalhar na linha de frente. Mas estes últimos dias, reviraram meu único trabalho. Reviraram a maneira de como penso certas coisas.

Aquela noite, há duas semanas, não foi diferente.

Eu acho.

Até onde a crueldade humana iria em relação à vida de outras pessoas?

Lembro que meus ombros e pernas doíam e estava quase sonolento naquele fim de tarde e eu mal, mal estava no meio de acabar meu plantão quando entrei no leito da paciente que fiquei responsável, aquela paciente que ninguém sabia o nome, idade, parentescos ou endereço, aquela paciente que vi entrar e que passei a cuidar até então, de repente de olhos abertos.

Sua sedação havia sido interrompida há quarenta e duas horas e ali, confusa e intrigada com os olhos perdidos enquanto vasculhava seu leito, agora me encarava tão acordada e tão cheia de vida que simplesmente sua beleza bagunçada e selvagem se realçava pelos olhos verdes, os cabelos tingidos de loiro platinado e os lábios e as bochechas agora rosados. Uma Bela Adormecida que não deixara a fantasia do sono a engolir.

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