Vida

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Sai cedo de casa acompanhada dos meus pais e de Camila. Todos faziam festa para me animar, mesmo estando em pânico por dentro. Camila claramente estava atuando, eu até pensei em dizer: " amor, não precisa fingir ". Mas se eu disse se isso, provavelmente ela iria ficar frustrada em saber que a tentativa dela não tinha dado certo. Então fiz o que eu tinha que fazer, segurei a mão dela, beijei e a abracei. A cobri de tanto beijo que o rosto dela ficou todo manchado de batom rosa.

Dei um "até logo" (que no fundo não saberia se seria realmente um até logo). Senti meu corpo mole, realmente aquela anestesia era poderosa... Adormeci.

Quando senti uma forte luz me cegar, e escutava um som... Como se fosse um bipe. Eu estava acordada! Eu sobrevivi! Não demorou muito para algumas enfermeiras perceberem que eu tinha acordado. Exames básicos foram feitos e meus médicos foram chamados.
Eles chegaram sorrindo, fizeram um sinal positivo acompanhado de um sinal de silencio.

– Não fala nada, não se esforça ok, Laura? Você nos deu um belo trabalho, foi uma longa cirurgia de quase 15 horas... Mas você está bem! Seus pais estão lá fora, sua namorada só sai daqui para trabalhar. Na próxima uma hora vamos fazer uma bateria de exames e se estiver tudo certo com você, nós vamos transferir você para um quarto, com os mesmos aparelhos que tem aqui na UTI, se caso você vier a precisar. Somente no quarto você poderá receber visita dos teus pais ou da Camila.

Mas por enquanto, fique calada e quietinha.

E eu fiquei mesmo querendo falar com eles, mesmo querendo perguntar o porquê de uma cirurgia prevista para durar sete horas durou mais do que o dobro. Finalmente fui liberada e iria para o quarto e foi aí que meus pais entraram no quarto com uma carinha de choro misturada com felicidade.

– Minha filha, que saudades! – Disse minha mãe, enquanto vinha me abraçar.

– Calma, amor, lembra que o médico disse, sem apertar a Laura – Disse meu pai.

Eu ganhei tanto carinho dos dois, e meu quarto parecia uma floricultura de tantas flores que eu recebi dos meus amigos e colegas de profissão. Eu nunca fui tão paparicada. Meu pai saiu para resolver algumas coisas e minha mãe ficou no quarto. Eu ainda estava evitando falar, mas com minha mãe e eu ali sozinha, eu teria que quebrar o jejum.

– Mãe.

– Oi.

– Como foi?
– Sua cirurgia?

– É, na verdade eu pergunto no geral, como Camila ficou? Porque demoraram tanto a concluir a operação?

– Bom resumindo foi...

– Não, sem resumo... Quero detalhes

– Ok, você e sua mania de ser detalhista.

– É eu sei que eu sou.

– É uma longa história.

– Eu não posso ir a lugar nenhum mesmo... conte-me.

– Ok. Quando você entrou para a cirurgia, eu e seu pai quase morremos de aflição. A Camila foi literalmente um anjo, pegava água, café... Conversava conosco, eu confesso que eu me senti injusta, porque ela estava tão angustiada quando eu e seu pai e mesmo assim ela se manteve o mais firme o possível para cuidar de nós dois.

Depois de umas quase cinco horas, a enfermeira chamou eu e seu pai em particular, não vou mentir que nessa hora a gente pensou o pior. Mas ela só queria saber se nós dois poderíamos doar sangue a você.

– Mas eu não iria precisar de sangue, os médicos me disseram!

– Sim, mas houve um imprevisto e você precisava de um litro e meio de sangue e eles precisavam urgente senão você iria morrer na operação. Eu entrei em pânico porque o seu sangue é AB-, e eu e seu pai somos diferentes! Os únicos que tem o mesmo tipo sanguíneo que o seu é seu irmão e ele está na Áustria. Não daria tempo de ele chegar, e o seu sangue é o mais raro do mundo, aqui mesmo no hospital não tinha ele no banco de sangue e nem aqui na cidade. Eu comecei a chorar, Laura. Eu me sentia incapaz. Você ia morrer porque nós não tínhamos o mesmo sangue que o seu.

– Se eu estou aqui, foi porque acharam duas pessoas para doar sangue para mim... Não é?

– Sim e não... Achamos uma pessoa que se propôs a doar a quantidade necessária para você.

– Isso é impossível! Quem ia ser louco o suficiente para arriscar a vida doando sangue. Se eu não me engano cada ser humano tem cinco litros de sangue no corpo, e só pode doar por vez 450 ml.

– Você está certa, o médico disse isso... A Camila o nosso desespero, foi até nós para perguntar o porquê da gente estar chorando e o médico contou sobre o problema de sangue. E quando ele disse que você era AB- ela disse que ela também é.

– O que? A Camz?

– Sim, o médico fez um exame rápido e constatou vocês duas tem o mesmo tipo sanguíneo, ela insistiu para doar a quantidade necessária para você. Assinou um termo de responsabilidade e doou um litro e meio de sangue... Ela ficou em observação repousando umas 4 horas para recuperar as forças, ficou um pouco mal, mas por incrível que pareça... Um milagre deu certo! Ai eles continuaram a cirurgia, tiraram o tumor de você, e você ficou em coma por quatro dias... Um coma induzido, eles injetavam remédios em você para você dormir, seus remédios foram tirados ontem.

– Eu não acredito que aconteceu isso tudo. Isso parece filme! Mãe! Como você deixou a Camila fazer essa loucura?

– Até parece que você não conhece a namorada que tem! Ela é teimosa, mas a teimosia dela te salvou.

– Cadê ela? Eu quero ver ela, ver se ela está bem

– Ela está bem, voltou a trabalhar ontem. Quando sair do trabalho ela ficará aqui para que eu e seu pai possamos ir para a casa, para dormir lá. E agora ela está no trabalho, mas ela já foi avisada pelo seu pai que você acordou. Falou que viria o mais rápido possível.

– Eu nem sei o que falar.

– Então não fala nada agora, fecha os olhos, descansa... Dorme se quiser.

Apesar de ter dormido tanto tempo eu estava com sono, e não demorou muito para aquela voz calma da minha mãe se tornar praticamente uma canção de ninar.

Quando acordei, vi Camila sentada num sofá, lendo alguns papeis.

– Camz.- Chamei-a baixinho.

– Amor! - Ela veio correndo pra perto de mim com um sorriso no rosto, e me deu um selinho – Como se sente, Lau?

– Eu estou bem, um pouco fraca... Mas estou bem, estou viva! – Sorri.

– Isso ai, graças a Deus e a sua força, os médicos me disseram que você lutou minuto por minuto para ficar viva.

– A Deus, a mim... A você que se arriscou doando mais do que o permitido de sangue, colocando sua vida em risco por mim.

– Eu só fiz o que precisava ser feito.

– Você me salvou de novo amor... Obrigada.

– Eu não te salvei de novo, e nem precisa agradecer.

– Você salvou minha vida quando entrou nela e aceitou ser minha e salvou agora doando seu sangue... Tem coisas que nem dá para explicar, quando iríamos imaginar que você e eu temos o mesmo tipo sanguíneo, e um tipo tão raro.

– Parece coisa de filme, não é mesmo?

– Pois é. Obrigada, amor. Obrigada mesmo!

– Me agradeça se recuperando logo, para irmos para a casa... Não aguento mais as paredes brancas e gélidas desse hospital.

– Vou me recuperar, rapidinho... Prometo. – Sorri, ela segurou minha mão.

– Ótimo, amor... Eu não podia suportar a ideia de nunca mais ouvir sua voz, eu te amo tanto Laura... Descanse mais um pouco, eu vou dormir aqui no sofá, mas antes estou decorando o texto para amanhã. O médico disse para você ficar mais quietinha, então depois matamos mais um pouco dessa saudade, entendido?

– Sim, amor. Te amo

– Eu também te amo.

Dormi olhando-a sentada no sofá, rabiscando o texto, toda superconcentrada. Ela era meu anjo, eu podia ver a sua auréola.

Seis dias se passaram, seis longos dias, e finalmente cheguei em casa.
Nunca aquela frase " Lar doce lar" fez tanto sentido na minha vida! Recebi várias mensagens de carinho em redes sociais, flores estavam espalhadas por todos os lados da casa, todas com bilhetinhos que eu iria ler depois e agradecer.

Nesse tempo que eu fiquei no hospital, eu não tinha me tocado, e por mais que eu estivesse com um dreno e andando de cadeira de rodas, eu resolvi eu mesma tomar banho, como sempre foi.

Juro que não foi nenhum pouco fácil tomar meu primeiro banho depois cirurgia, eu estava sem um dos seios, só quem já passou por isso vai entender exatamente essa sensação. Nós mulheres nascemos com uma poção de vaidade, em algumas a vaidade se mostra pouco, e em outras ela se mostra muito. O muito era o meu caso, eu sempre fui muito vaidosa. Claro que com a queda de cabelo e pelos no corpo, eu me desprendi um pouco dessa questão, mas agora, além de estar sem pelos, eu estava sem um dos seios... Eu me sentia mutilada.

Eu chorei muito, fiquei em choque ao me olhar, mas como disse minha abuelita: ninguém vence uma batalha e fica sem uma marca. Aquela era a marca da minha luta, marca que ficaria ali por uns bons meses, pois dependendo de como meu corpo reagiria, eu poderia colocar silicone dentro de meses.

Resolvi ocupar meu tempo da melhor forma, lendo e respondendo recados nas redes sociais, respondendo minhas amigas do blog e escrevendo matérias para serem postadas lá.

Muito pouco se conhece sobre o processo de pós-operatório, talvez, seja porque isso é algo individual. Mas para que as pessoas que vão passar por uma cirurgia dessas ficassem com uma certa noção do que está por vir, eu resolvi fazer uma espécie de diário semanal. Em cada matéria eu contava como estava sendo a minha semana, das vezes que senti absurda dor... Da sensação de se tomar banho e não ter um dos seios, usar o primeiro sutiã com enxerto de um dos lados. Às vezes em que se tem uma súbita vontade de vomitar, e como é o processo de fisioterapia, como funciona os exercícios.

Março, abril, maio e junho... Esses meses se passaram, eu estava bem melhor! Meus cabelos já estavam crescendo! Eu estava com os cabelos curtinhos, estilo "Joãozinho" e minha sobrancelha já estava criando forma.
Eu estava radiante! Estava indo ao estúdio gravar o CD, tinha uma vida normal. Eu amadureci tanto em menos de um ano e meio. Definitivamente, hoje dou valor às pequenas coisas, a pequenos momentos que no dia a dia tem gente que nem percebe, eu pelo menos era uma dessas pessoas.

ElaOnde histórias criam vida. Descubra agora