1313, ano do cervo.
Quatro anos antes da Grande Colheita.― Diga-me, ômega ― a voz ressoou baixa e grave contra a orelha do rapaz, que fechou os olhos, completamente entregue e entorpecido pelos toques do alfa de cheiro marcante. ― Tu morrerias por mim?
O ômega ergueu os olhos, assentindo sem precisar sequer pensar duas vezes. O homem à sua frente riu e alcançou uma das mechas de seu cabelo, prendendo-a entre os dedos longos.
― E tu matarias ele por mim?
O ar pesou quando um silêncio arrebatador se instalou no cômodo escuro. Tudo o que pôde ser ouvido por alguns segundos fora os passos pesados dos guardas em sua ronda pelos corredores e o crepitar da fogueira junto à respiração ruidosa do ômega.
A resposta o surpreendeu.
― Sim.
O alfa gargalhou, segurando o rosto daquele à sua frente com ambas as mãos enquanto o sorriso largo em seu rosto denunciava o quão satisfeito estava. Selou-lhe os lábios num beijo arrebatador e profundo, embriagando-se do cheiro doce do seu ômega. Quando afastaram-se apenas o suficiente para juntarem as testas enquanto as respirações ofegantes se misturavam entre si, um último sussurro foi ouvido:
― Então...
Os olhos do ômega se arregalaram gradativamente, conforme aquelas palavras frias eram despejadas em seu ouvido. Palavras sangrentas, de um ódio indescritível, mas que eram ditas de forma quase sedutora. Como uma serpente enfeitiçando sua presa enquanto a envolvia com o corpo forte.
Quando o alfa se afastou e o olhou, esperava o mínimo de hesitação em seus olhos, mas encontrara apenas uma determinação orgulhosa.
O ômega assentiu, sorrindo.
― Eu o matarei com minhas próprias mãos... Jimin.
1320, ano do dragão.
Três anos depois da Grande Colheita; Dez anos antes d'A Queda.
Quando o crânio foi posicionado no topo do esqueleto, Loqi sentiu-se ansioso. Estavam prestes a realizar um ritual que fora apenas descrito como uma lenda por centenas de anos, prontos para desafiar a morte e trazer uma alma de volta ao mundo mortal, roubando-a dos braços das Deusas-mãe.
Parecia algo impossível. Não desistiriam, no entanto.
Cada um dos ômegas, betas e alfas utilizou de uma faca para abrir um corte na palma e pingar do próprio sangue na bacia de madeira, próximo ao esqueleto, transformando o recipiente outrora vazio em um mar vermelho. Tão esperançosos quanto o próprio líder, as pessoas sorriam ao dar de bom grado uma parte de sua vida em nome do ritual. Desde idosos a adolescentes, quem estivesse disposto de alma e coração a doar, deveria participar.
E todos queriam ajudar, eram um povo unido, ligados pela grande árvore da vida ― Limine ―, que acreditava veementemente que toda e cada vida é importante e que o ciclo da vida não deveria ser quebrado precocemente. Nunca haviam se atrevido a tentar o ritual da ressurreição, mas desde que Loqi os havia instigado, estavam dispostos a tentar.
As runas dos antepassados afirmavam o quão perigoso podia ser, resultando em um triste fim não apenas para a alma que já havia sido levada, mas também para aquelas que tentavam trazê-la de volta. No entanto, ainda estavam dispostos a tentar.
Então mesmo que aquele ritual não passasse de uma lenda, com seus únicos registros sendo cantigas e escrituras antigas, ainda assim, um par de dedos fora mergulhado no líquido escarlate e uma runa tomou forma no chão gelado, desenhado pelo alfa de feições esperançosas enquanto os outros sentavam-se em uma grande roda; a runa e o esqueleto eram o seu centro. Aqueles que não participavam do Círculo de Ligação, tocavam os tambores e recitavam cantigas em sua língua materna, entoando o Canto dos Espíritos.
Quando Loqi também tomou o seu lugar no Círculo, o canto tornou-se mais alto conforme todos o seguiam. Fecharam os olhos, determinados a trazê-lo de volta à vida.
Três dias se passaram, porém, ninguém atreveu-se a mover um único músculo. Ainda recitavam as cantigas baixo, quase em um sussurro cansado, mas haviam se desconectado completamente do mundo mortal, presos no que poderia ser considerado um longo transe. Seus corpos estavam adormecidos, os batimentos tão fracos que se não fossem pelos sussurros que abandonavam os lábios arroxeados pelo frio, poderiam facilmente se passar por cadáveres congelados de uma forma bizarra, sentados em círculo.
Cinco dias se passaram e finalmente um pequeno fluxo de energia fluiu através de seus corações, descendo em uma fina corrente por seus braços até se desprender dos dedos e mergulhar na terra congelada sob seus joelhos. Em um tom melancólico e bonito de azul brilhante, era como ver o curso de um rio tranquilo, correndo até mesclar-se com a runa sangrenta previamente pintada e lentamente subir nos ossos carbonizados, tomando-os para si, um a um.
Aqueles de fora do Círculo de Ligação se entreolharam, num misto de surpresa e felicidade, antes de baterem os tambores com mais intensidade, desejosos de que os outros, mesmo momentaneamente presos em outro plano, de alguma forma os ouvissem e soubessem que estavam no caminho correto. Que estava dando certo. O fio de esperança tornava-se cada vez mais forte.
No sexto dia, o fluxo de energia havia triplicado e até mesmo a terra parecia chorar, tremendo tristemente como se o Palácio Divino ou, quem sabe, o Poço das Penitências hesitasse em permitir que aquela alma retornasse ao seu mundo.
No sétimo dia, aqueles que até então haviam perseverado tão intensamente em continuar a ecoar o som dos tambores junto à Canção dos Espíritos, colapsaram. Uma a uma, suas consciências se esvaíram e os corpos tombaram no chão, rapidamente sendo alcançados pelo fluxo de energia do Círculo de Ligação, que parecia puxá-los.
Por nove dias e oito noites, houve silêncio e calmaria.
E então, no décimo dia, a terra estremeceu e uma montanha se partiu com um monstruoso e gutural rugido. A rachadura estendeu-se por quilômetros, e dela, ergueu-se a figura majestosa de um dragão, que os mergulhou em uma onda aterrorizante de escuridão com suas longas asas, que bateram, gerando uma ventania tão poderosa capaz de derrubar árvores a oceanos de distância, antes que caísse nos ossos envoltos por energia, fundindo-se a eles; reivindicando-os e despertando-os.
O céu escureceu e o barro subiu. Dele, formou-se o corpo de um lupino. Um ômega foi esculpido por dias e noites, quebrando as regras do mundo mortal e imortal, ressuscitando uma lenda e acendendo uma maldição e uma dádiva das Deusas-mãe.
Os espíritos de milhares de gerações se reuniram, curvando-se perante aquele que havia renascido.
E, ao abrir os olhos com uma explosão de fogo que tirou seu povo do transe há muito entrado, o ômega despertou.
A primeira coisa que disseram-no, foi como havia morrido.
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Rosas de Aeli
Fanfiction[ABO] [jikook] "Que a fé nos guie e as Deusas nos protejam." Menosprezado por sua origem e oprimido por sua classe, depois de uma infância e adolescência turbulenta, Jeon Jeongguk desenvolveu uma ira inigualável por alfas e pela monarquia. No entant...