VII. 999 Dias

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— Não vai dizer nada?

A exasperação com que aquela pergunta foi feita podia muito bem ter demolido o prédio, tijolo por tijolo.

Ela sabia que existia uma cova com o nome dela em algum lugar daquele mundo, e a fúria daqueles olhos azuis a fizeram desejar mais do que tudo conhecer o frio solitário de um buraco de terra a sete palmos do chão, com nada mais que seu próprio poder para terminar de matá-la.

Mas... por outro lado, ele havia planejado interná-la. Fizera planos pelas suas costas como se ela fosse uma maldita adolescente. Como se não soubesse... não tivesse visto qual era o verdadeiro problema.

— O que exatamente eu deveria dizer? — Foi sua resposta, seguido de um virar íngreme da taça de mimosa contra os lábios trêmulos.

O solitário de diamante azul encarava Thalassa do outro lado da mesa. Enorme. Ofuscante. Incrivelmente caro. E errado.

Terrivelmente errado.

Quando era um sonho impossível, havia pensado em coisas românticas. Flores, encontros, pétalas de rosa. Até quando Paolo... ou melhor, Estefano pediu, foi mais cuidadoso que aquilo.

Um pedido pós-foda matinal, com uma caixa de veludo sendo deixada a sua frente, juntamente de um beijo na testa, sob os sons da cidade movimentada e The Weeknd tocando baixinho pela sala.

Teve que lembrar de como respirar, deixar o ar entrar no pulmão e depois liberar o gás carbônico que não lhe era conveniente.

Um suspiro fraco escapou de Thalassa no processo.

— Eu acabei de te pedir em casamento — Ícaro estreitou as sobrancelhas. Usava apenas a cueca, na mesa do apartamento dela, e aquela tatuagem no peito agora deformada a encarava. Avisando. — Porque quero passar o resto da minha vida com você. Porque você, e apenas você, é o amor da minha vida. Acho que mereço uma resposta melhor do que seu silêncio.

Talvez ele merecesse mesmo.

Ela o adorava e ele era bom para ela. Muito melhor que qualquer outra pessoa já tinha sido. Trazia café na cama, levava nas consultas ao médico, aparecia sempre com presentes espontâneos e inusitados, se entregava. E acima de tudo, não estava possuído nem tramava contra ela.

Ele a havia traído, sim, mas às vezes aquilo era algo tão pequeno se comparado às outras coisas. E depois que abriram o relacionamento, tudo tinha voltado ao normal. Funcionava daquela forma. Para os dois.

O fato de Ícaro estar simplesmente lindo naquele momento, era pior ainda.

Seus lábios estavam inchados do tanto que ela os mordeu, os cabelos mais curtos no corte mullet estavam bagunçados. Lindos olhos azuis límpidos a encaravam esperando por algo.

Thalassa olhou o próprio reflexo na taça de cristal e viu a fuligem, seus cabelos voando pelo rosto contra o reflexo na água.

A visão ficava cada vez mais forte, persistente em sua mente. Não importava o quanto se esforçasse para destruir a visão, ela sempre voltava para assombrá-la.

A boca de Thalassa se abriu.

— Não — era só o que sabia dizer àquela altura, tão perto da queda.

As emoções de Ícaro flutuaram até a superfície, apenas pelo passar de suas mãos no rosto seguido do bufar, talvez numa tentativa vã de acordar de um pesadelo terrível.

Não, eu não quero me casar com você ou não, você não merece uma resposta? — perguntou, arregalando os olhos.

A cabeça dela balançou em negativa, várias e várias vezes na tentativa de segurar as lágrimas.

Thalassa - Quase SubmersaOnde histórias criam vida. Descubra agora