XIII. Keilus e a Submersão no caos corretivo pt. 1

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O vento não dava descanso para a água e ondas enormes e imponentes se formavam e quebravam umas sobre as outras, inconstantes e indomáveis, cansativas em sua perseguição com ela. Thalassa observava sua movimentação com medo dos segredos que a dona daquelas águas poderia esconder. Havia escutado uma vez que quando a esmola era grande demais, o santo desconfiava, e Okeanos a tratava bem demais para a própria sorte. Thalassa já estava preparada para aceitar que o próprio relacionamento estava fadado ao fracasso e Okeanos simplesmente levou ele para lá pra que ela não precisasse abrir mão dele?

Que titânide mentirosa!

A deushiana precisava pensar que não era ela dando as cartas e por isso devia compensar no blefe. Dançar conforme a música como vinha fazendo desde Nova Orleans.

Virando as costas para a água, ela encarou o ringue no meio do enorme e arejado cômodo que abrigava a versão distorcida de uma academia. Os cortes no ar que as lâminas proporcionavam foi a primeira coisa que ela ouviu quando entrou na sala.

Quando acordou do desmaio repentino na varanda — algo que ela não se envergonhava porque queria mais do que tudo um motivo para sair daquela discussão —, havia uma bandeja de comida ao seu lado na cama. Um recado escrito em papel que dizia: Coma tudo. E, apesar de sem vontade, ela comeu cada pedaço de pão com a geleia violeta estranha e doce, os biscoitos de chocolate e o bolo de banana, que estava delicioso no fim das contas.

Assim que o último farelo atingiu sua boca, outro recado caiu em cima da bandeja. Agora beba. Uma xícara com um chá da cor verde-lima com cara de horroroso brotou do nada. Quando ela bebeu um gole e comprovou o gosto horrível, outro recado apareceu. Cada gota. Tudo.

Nunca sentiu tanto desgosto por sua própria vida quanto quando virou aquele chá e o bebeu.

Um último recado apareceu: Boa garota, agora desça.

Veio junto com instruções que a fizeram descer um lance de escadas até o térreo e depois mais outro para acessar o andar abaixo do nível do chão. Muitas portas estavam trancadas ali, mas o recado foi específico em dizer para ir até as que tinham runas entalhadas e manchadas de dourado em madeira branca. Quando entrou, encontrou um salão parcialmente aberto para o mar — escavado diretamente na pedra e sustentado por colunas ornamentadas também manchadas de dourado — com aparelhos de academia que ela conseguia reconhecer,  armas de todos os tipos e mais um monte de mobília que ela não conseguiu prestar atenção porque ele estava no meio do salão, dentro do que parecia ser um círculo de pura água flutuante. Sem camisa, com uma espada longa nas mãos que batia de frente com uma espada nas mãos de Okeanos. Numa visão inédita os dois lutavam, quase dançando no estranho  ringue. Era surreal.

Mortal.

Rápido.

Sensual demais — até mesmo para ela.

O corpo dele suava, embora parecesse bem confortável naquela situação, sua espada dançando e cortando o ar, as calças paradas num limite perigoso, deixando para fora marcas de um intenso bronzeado que ela tinha visto mais cedo com menos clareza e entradas marcadas demais. Baco era esculpido, cada pedaço do corpo dele sendo moldado exclusivamente para gerar pensamentos impróprios. Os cabelos, ao contrário do que deveria, estavam soltos, caindo por sobre os olhos dele e flutuando a cada novo movimento, as pontas prata brilhando de forma etérea.

Ela mal conseguia disfarçar que estava babando, andando para a sacada aberta com os olhos ainda voltados para eles, que dançavam em um ritmo constante entre grunhidos e risadinhas debochadas. Apesar de Baco parecer um amante, de alguma forma havia um guerreiro dentro dele. Um guerreiro que lutava de uma forma tão fluida que a hipnotizou.

Thalassa - Quase SubmersaOnde histórias criam vida. Descubra agora