XIII. Keilus e a Submersão no caos corretivo pt. 2

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Galhos quebraram atrás de Thalassa D'Angelo.

— Ah, pequena humana... Por mais que ache maravilhoso que já tenha encontrado um refúgio secreto nos Vales, temo que ele não seja apenas seu — a voz aveludada lhe atingiu perto da orelha e, quando Thalassa levantou os olhos do livro e se virou para o intruso, encontrou Koan a encarando.

Sua guarda estava baixa e ela não a escutou chegar até que estivesse bem perto. Burra, Thalassa pensou consigo mesma. Ainda era humana, não precisava de um artefato místico para ser morta, seu vacilo podia ter culminado na própria morte.

— Posso estar disposta a dividir, no entanto — Koan continuou, desviando o olhar para as árvores por um momento.

Havia um bosque descendo ao sul do Templo, carvalhos enormes e enraizados criavam sombras da intensidade do sol. A grama era macia, cheirosa e tão verde que parecia brilhar. A natureza desabrochava silenciosamente ao redor, flores cresciam, cogumelos vermelhos pareciam se mexer de um lado ao outro. No meio desse bosque, uma clareira circular se formava naturalmente, recebendo a luz do sol por diversos pontos dispares entre os galhos. O que ela só podia supor serem fadas, cantarolavam e pulavam de folha em folha, aumentando sua singularidade. Sua beleza.

Havia paz naquela clareira, havia serenidade.

Thalassa andou até encontrar aquele ponto, então se sentou escorada na base de um daqueles imensos carvalhos e se deixou ser vista pelas criaturas. Coelhos foram os primeiros a passar, aos montes. Borboletas planaram, beija-flores amarelos se aproximaram e então se afastaram em sua velocidade alarmante. Uma raposa se aproximou e sentou ao seu lado.

A observou.

Gravou seus movimentos.

Desapareceu e então voltou com sua presa, um pequeno coelho, e se alimentou enquanto a olhava.

Aquilo, a reflexão natural da própria natureza, deixou um desconforto preso na garganta de Thalassa e a induziu a abrir o livro, voltando algumas páginas para estudar a história de Keilus.

A humana deusho-phateiana, filha bastarda de um deushiano morto que já nem importava mais, nasceu ao norte de Elísio, mais perto da capital Olimpo do que dos Vales. Não tinha posses, nem influência, mas era feliz. Ensinava História na pequena escola do vilarejo em que cresceu. Quando atingiu maioridade, conheceu Olliria, a delicada confeiteira que fazia doces para as crianças a quem Keilus ensinava. A vida das duas mudaram completamente quando descobriram amor uma na outra. E ela tinha tudo para viver o resto da própria vida de forma discreta, como bem entendia. Mas seu pai decidiu começar a Caçada e Keilus, sem saber o que aconteceria, comemorou que seu progenitor morreria. Mas assim que isso aconteceu, assim que o primeiro deushiano abdicou de existência numa ainda fresca Phanteia, o poder de seu pai passou para frente. Passou para ela. O Othi destruiu a gloriosa e banal vida que Keilus havia planejado. O Destino sempre dava um jeito de ser cruel. Em seu retorno do Anagennisi, ela foi obrigada a lidar com os meio-irmãos sedentos por vingança, a quem ela matou todos. E então a sucessão de suas posses e responsabilidades com aqueles que foram os primeiros Doze, os Alto-Guardiões do Elísio. Ela não queria nada daquilo, mas não podia retirar o Othi sem arrancar a própria vida no processo. Estava fadada ao poder de um katharo. Com a alma de uma humana. E no fim da história é descoberto que a desgraça de seu Othi misturada com a alma humana lhe deixou insana e, em um momento assustador e vividamente gráfico, ela tirou a vida de seu grande amor, dos três filhos adotivos, e então usou seu Pesadelo para tirar a própria vida.

Essa parte final, inclusive, foi escrita com um estilo tipográfico que batia com a letra de Okeanos nas diversas anotações.

Thalassa fechou o livro com força.

Thalassa - Quase SubmersaOnde histórias criam vida. Descubra agora