I. Atlante 272

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O mundo era a porra de um lugar escuro e atormentado, suspenso nas costas de Atlas.

Não era essa a mensagem que eles queriam vender?

Um homem amaldiçoado, jogado à própria sorte para manter o equilíbrio do céu, que só era o vilão porque sua história foi contada sob a perspectiva de outro narrador. E cá entre nós, onde que o metido a besta todo-poderoso Zeus seria um ótimo narrador? Talvez Atlas apenas fosse um homem apaixonado demais, ou tolo demais, ou influenciado demais, que seguiu os outros para a batalha. Talvez a verdadeira culpada devesse ter sido Reia que decidiu ser diferente de sua mãe e salvou um filho prepotente e arrogante que fez lavagem cerebral em toda a mitologia.

Não... não vou colocar os valores de um homem sobre os de uma mulher, ela pensou tardiamente quando percebeu o rumo de seu raciocínio.

O culpado era inteiramente Júpiter e seu complexo de grandiosidade que puniu o pobre do Atlas e a induziu a ter devaneios sobre o que podia ou não podia ser uma história real.

E a bem da verdade, Thalassa D'Angelo se identificava completamente com o Atlas que criou em sua cabeça.

Ela era uma deusa-titânide-divindade ou qualquer merda de posição no ranking de seres superiores e imortais que ser tecnicamente filha de Okeanos a colocava. Esse era seu nome de verdade; Okeanos. Não Okeaniye. Thalassa não pediu por isso, mas ainda sim os poderes de um ser superior, em sua forma mais bruta e concentrada, corriam em suas veias e destruiu qualquer chance de uma mera e tranquila vida normal.

Como poderia ter uma vida normal, comprando, vendendo, criando arte, se tudo poderia ser feito em um passe de mágica? Os quadros em seu apartamento? Pintados num passe de mágica, uma questão de estalar de dedos. Não que ela reclamasse de poder economizar cada centavo que podia trapaceando para conseguir coisas de graça. Sério, se o mundo inteiro se tornasse ciente de sua enorme vantagem sobre todos os outros, eles fariam questão de encontrar a primeira nave espacial que tivessem para devolver ela para o mundo ao qual ela tecnicamente pertencia.

E no fim das contas, qual era a verdadeira vantagem de economizar dinheiro se em pouco mais de setecentos dias ela iria embora? Adeus cama de crina de cavalo que melhorou o seu sono, adeus Red Bull sem açúcar, adeus festas alucinantes em Ibiza.

Olá, mundo completamente estranho que ela não queria visitar.

Mas era tudo diferente agora. Ela não era mais apenas uma humana e não conseguir fingir o contrário a fazia se sentir à parte do mundo.

Estava sozinha e deslocada, como Atlas.

Parecia que era uma bomba prestes a explodir. Que se ficasse tempo demais nesse mundo acabaria presa em uma maca com homens brancos idiotas fazendo experiências com ela na Área 51.

Ao mesmo tempo, a ideia de que todo o seu mundo pudesse sumir por entre seus dedos, era assustadora pra caralho.

As Hespérides se aproximavam para cantar o entardecer de sua vida e ainda sim Thalassa se agarrava à essa sobrevida humana e vazia.

Olhe só que merda. Estou pensando como eles, pensou frustradamente, voltando a prestar atenção na cantoria a sua frente.

Parabéns pra você.

O sons de palmas batendo, ritmadas, e o coro das vozes cantando ecoavam pelo restaurante vazio.

Nessa data querida.

Era querida. De fato o era. E se não fosse teria que se esforçar para ser, pois ninguém sabia seu segredo.

Muitas felicidades.

Thalassa - Quase SubmersaOnde histórias criam vida. Descubra agora