XII. Rockstars não ganham doce pt.1

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A luz do sol a beijou gloriosamente.

Incendiou seu rosto, indo e voltando de forma constante, o frescor a detendo de se cobrir novamente. Lentamente, com a luz mirada em seu olho esquerdo e nariz, ela se espreguiçou, ainda deitada.

Seus músculos estavam relaxados.

Em algum ponto distante da mente, escutou pássaros cantarem. Tons altos e baixos que rodopiavam em uma canção alegre. Tranquila. De olhos fechados, ela se permitiu sorrir. Apreciar o som que chegava aos ouvidos e o cheiro que espreitava seu nariz. Café fresco e rolinhos de canela a aguardavam.
Ícaro estava de bom humor se tinha preparado o café.

Ícaro...

De olhos abertos, no entanto, ao identificar a cortina vermelho-sangue que balançava com a brisa da manhã, seu humor se esvaiu pelo ralo junto com o resto de dignidade que tinha. Ela não estava em seu loft no Upper East Side. Não dormia no king size de crina de cavalo que era a coisa mais confortável do mundo. A cortina que balançava contra as janelas sem vidro não era dela. A vista florestada do lado de fora não era do Central Park. Os pássaros ali eram chamados de melodies e cantavam de dia e de noite. O mundo ali era do avesso. E o quarto... era dele. Seus músculos voltaram ao estado quase natural de tensão que ela estava acostumada. Tinha o cheiro dele impregnado até nas paredes, onde enormes quadros lascivos descansavam, olhando para ela em meio a atos carnais intimidantes. O gesso era de um tom muito claro de creme, fluindo pelo quarto e se transformando em creme mais forte em portas e pilastras — exceto nas portas duplas de entrada, que eram brancas e de maçanetas douradas para combinar com o exterior do Templo. As roupas dele estavam por todos os lugares, em araras largas e sobre divãs e sofás. Nunca no chão ou largadas, talvez ele se importasse demais com as peças para fazê-lo.

No chão, do seu lado da cama ainda estava a caneca em que tomara chá com ele na noite anterior, depois de fugir de Ícaro e Aidan enquanto brigavam no quarto em que os três dividiriam, do outro lado do mezanino. Thalassa de forma alguma queria dividir quarto com os dois, por isso tentara fazer Baco ceder outro lugar para ela dormir por horas.

E todas as tentativas foram frustradas por comentários infelizes que jogavam em sua cara que ele não tinha culpa de ela não querer ficar na casa dos D'Angelo e que era muito mais divertido tê-la agonizando. Quando por fim Thalassa conseguiu pegar num nervo, devolvendo as acusações para lembrá-lo de Nova Orleans e de que quase morreu porque ele se recusou a ajudá-la, Baco permitiu que ela passasse a noite lá.

E ela nem mesmo se importou com o fato de que ele dormiria ao lado dela se fosse pra ficar longe dos outros dois até decidir o que fazer.

Fazer um acordo com ele foi um ato perigoso mas muito mais inteligente do que fazê-lo seu inimigo. Precisava de aliados — e com isso ela queria dizer amigos — em quem se apoiar em tempo de guerra. Infelizmente suas opções eram uma porcaria e agora teria que lidar constantemente com Baco, uma criatura tão humana quanto qualquer outra, e por isso tão irritante quanto qualquer outra. Seres considerados deuses não deveriam ser superiores? Sencientes, empáticos, misericordiosos, ou qualquer coisa assim? Não deveria existir um desapego de existência da parte dele, uma aceitação de sua forma e um convencimento do propósito de tudo? Do lugar em que estava, tudo o que Thalassa via era uma vaidade infinita, uma necessidade gritante de ser o melhor, o maior, de não ser contrariado por pessoas que ele considerava como inferiores a si mesmo. Não era assim todo humano? Havia alguma coisa mais mortal do que o egoísmo do poder e do brilhantismo? Ele não era melhor que ela em nenhum sentido e talvez fosse por isso que quis o acordo, porque não haveria cenário onde ele se encontrasse como superior que ela. E isso talvez se devesse a própria necessidade de brilhantismo e reconhecimento dela, de não querer admitir sua inferioridade porque tudo o que ela sentia era aquilo.

Thalassa - Quase SubmersaOnde histórias criam vida. Descubra agora