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Um novo inquilino

As longas férias arrastam-se para o seu termo, como um rio preguiçoso, correndo bem descuidado por uma região plana até o mar. O Sr. Guppy arrasta-se da mesma forma, ao longo delas. Embotou a lâmina do seu canivete e quebrou-lhe a ponta, à força de cravar aquele instrumento na sua mesa em todas as direções. Não que tivesse má vontade à mesa, mas devia fazer qualquer coisa e qualquer coisa de natureza não-excitante, que exigisse de suas energias, tanto físicas como intelectuais, uma contribuição pesada demais. Descobre que nada lhe apraz tanto como girar sobre um pé de seu tamborete, esfuracar a escrivaninha e bocejar.

Kenge e Carboy acham-se ausentes da cidade e o escrevente obteve licença para caçar, indo para a casa de seu pai. E os dois colegas do Sr. Guppy, contratados como ele, estão fora, em gozo de licença. O Sr. Guppy e o Sr. Ricardo Carstone dividem entre si os encargos do escritório. Mas o Sr. Carstone está por enquanto ocupando a sala de Kenge, o que de tal forma irrita o Sr. Guppy que ele informa a sua mãe, com mordente sarcasmo, em momentos de confidência, quando vai cear com ela uma lagosta com alface na Estrada da Rua Velha, que está receoso de que o escritório não seja bastante adequado para janotas e que, se soubesse que iria para lá um janota, tê-lo-ia mandado pintar.

O Sr. Guppy suspeita que qualquer pessoa que passe a ocupar um tamborete no escritório de Kenge e Carboy abrigue, sem dúvida alguma, sinistros desígnios contra ele. Parece-lhe evidente que todas as pessoas tencionam tomar-lhe o lugar. Se lhe perguntarem alguma vez como, por quê, quando, ou em consequência de quê, fechará um olho e sacudirá a cabeça. Sob a tensão dessas profundas perspectivas, arca ele, da maneira mais engenhosa, com infinitos esforços para frustrar uma conspiração que não existe, e joga as mais intrincadas partidas de xadrez sem adversário de qualquer espécie.

É fonte de muita satisfação para o Sr. Guppy, portanto, descobrir que o recém-vindo está de contínuo a remexer nos autos de Jarndyce e Jarndyce, pois sabe muito bem que nada, a não ser confusão e malogro, pode sair dali. Sua satisfação comunica-se a um terceiro, que também se vai arrastando, através das longas férias, no escritório de Kenge e Carboy, a saber, o jovem Smallweed.

Se o jovem Smallweed (metaforicamente chamado Small e além disso Chick Weed, como se se quisesse por gracejo aludir a uma avezita implume) alguma vez foi menino, é coisa muito posta em dúvida em Lincoln's Inn. Anda agora pelos quinze anos e é já um velho chicaneiro. Atribuem-lhe por pilhéria uma paixão por certa senhora, de uma tabacaria nas vizinhanças do Beco do Tribunal, dizendo-se que, por sua causa, rompera um contrato com outra senhora, com quem estivera empregado alguns anos. E um produto perfeito da cidade, de pequena estatura e feições mirradas, mas pode ser percebido desde longa distância por causa do seu chapéu muito alto. Sua ambição é tornar-se um segundo Guppy. Veste como esse cavalheiro (por quem é apadrinhado), fala como ele, anda como ele, baseia-se inteiramente nele. É honrado com a confiança particular do Sr. Guppy e uma vez ou outra o aconselha, lá das profundas fontes da sua experiência, sobre difíceis pontos da vida privada.

O Sr. Guppy tem estado refestelado à janela a manhã inteira, depois de experimentar todos os tamboretes sucessivamente, sem descobrir nenhum que fosse cômodo, e depois de pôr a cabeça várias vezes dentro do cofre de ferro, como para refrescá-la. O Sr. Smallweed foi duas vezes enviado à procura de bebidas gasosas, e duas vezes misturou-as nos dois copos de escritório, mexendo-as com a régua. O Sr. Guppy propõe à consideração do Sr. Smallweed o seguinte paradoxo: quanto mais se bebe, mais sede se tem; e reclina a cabeça no peitoril da janela, num estado de desesperançado langor.

Enquanto assim olhava para a sombra do Largo Velho e Lincoln's Inn, observando os insuportáveis tijolos e a argamassa, o Sr. Guppy começa a perceber um vigoroso sopro que sobe lá debaixo, do passeio, e vem bater-lhe no rosto. Ao mesmo tempo um leve assobio esfuzia através de Lincoln's Inn e uma voz abafada grita: — Olá, Guppy!

A Casa Soturna (1870)Onde histórias criam vida. Descubra agora