A explicação
Quando o Sr. Woodcourt chegou a Londres, foi, naquele mesmo dia, à casa do Vholes em Symond's Inn, pois nem uma vez sequer, desde o momento em que lhe solicitei que fosse amigo de Ricardo, esqueceu sua promessa. Dissera-me que havia aceitado a incumbência como uma prova sagrada de confiança e nesse espírito sempre se mostrou fiel à mesma.
Encontrou o Sr. Vholes no seu escritório, falou-lhe no seu acordo com Ricardo e disse-lhe que tinha vindo ali para procurar o endereço de Ricardo.
— Exatamente, senhor — disse o Sr. Vholes. — O endereço do Sr. Carstone não é a cem milhas daqui, o endereço do Sr. Carstone não é a cem milhas daqui. Tenha a bondade de sentar-se.
O Sr. Woodcourt agradeceu ao Sr. Vholes, acrescentando que a única coisa que ali o trouxera era saber aquele endereço.
— Exatamente, senhor — disse o Sr. Vholes, insistindo ainda tranquilamente em que o visitante se sentasse, mas não lhe dando o endereço. — Acredito que o senhor tenha influência sobre o Sr. Carstone. Estou certo mesmo que o senhor tem.
— Eu próprio não sabia disso — tornou o Sr. Woodcourt —, mas suponho que o senhor esteja mais bem informado.
— Meu senhor — volveu o Sr. Vholes, um tanto reservado, como de costume, assim na voz como em tudo —, é parte do meu dever profissional conhecer a fundo as coisas. É parte do meu dever profissional estudar e compreender um cavalheiro que confia a mim seus interesses. Que eu saiba, não se encontrará nenhuma falha no cumprimento do meu dever profissional. Posso, na melhor das intenções, ser apanhado em falta nele, sem o saber. Mas sabendo-o, não.
O Sr. Woodcourt mencionou de novo o endereço.
— Peço-lhe permissão, senhor — disse o Sr. Vholes. — Suporte-me por um instante. O Sr. Carstone está arriscando uma considerável parada e não pode fazê-lo sem... necessito dizer o quê?
— Dinheiro, presumo.
— Senhor, para falar-lhe com honestidade (sendo a honestidade a minha regra de ouro, quer com ela eu ganhe, quer perca, e acho que em geral perco), o termo é mesmo dinheiro. Ora, meu senhor, a respeito das probabilidades do jogo do Sr. Carstone não lhe dou nenhuma opinião. Poderia ser altamente impolítico da parte do Sr. Carstone largar tudo depois de ter jogado durante tanto tempo e tanto. Poderia ser o oposto, não digo nada. Não, senhor — disse o Sr. Vholes, deixando cair a mão espalmada sobre a escrivaninha, de uma maneira positiva —, nada.
— O senhor parece esquecer — replicou o Sr. Woodcourt — que não lhe estou pedindo nada e não tenho interesse por coisa alguma que o senhor diga.
— Perdão, senhor! — retorquiu o Sr. Vholes —, o senhor faz a si próprio uma injustiça. Não, senhor! Perdão! Não consinto que... não consinto que no meu escritório e tendo eu ciência disso, o senhor faça uma injustiça a si mesmo. O senhor está interessado por tudo quanto se relacione com seu amigo. Conheço muito melhor a natureza humana para admitir, ainda que por um instante, que um cavalheiro com o aspecto que o senhor tem não se interesse por tudo quanto diz respeito a seu amigo.
— Bem — respondeu o Sr. Woodcourt —, pode ser que seja assim. Estou particularmente interessado em obter o endereço dele.
(— O número, senhor) — disse o Sr. Vholes entre parênteses, — (acredito que já o mencionei.) Se o Sr. Carstone tem de continuar a arriscar tão considerável parada, deverá ter capitais. Compreenda-me! Há capitais à mão presentemente. Mas, para prosseguir com o jogo, é necessário arranjar mais fundos, a não ser que o Sr. Carstone tenha de perder o que já arriscou — o que é inteira e exclusivamente um ponto da alçada dele. Isso, senhor, aproveito a oportunidade de afirmar claramente ao senhor, como amigo do Sr. Carstone. Sem fundos, dar-me-ei sempre por feliz de aparecer e trabalhar em favor do Sr. Carstone, até o limite em que tais despesas possam ser cobertas pelo montante do seu patrimônio. Passando daí, nada mais. Não poderia ultrapassar esse limite, senhor, sem prejudicar alguém. Acabaria prejudicando minhas três queridas meninas, ou meu venerando pai, que depende inteiramente de mim no vale de Taunton, ou a alguém. Ao passo que minha resolução, senhor, é (chame a isto fraqueza ou loucura, como queira) não prejudicar a ninguém.