Encerrando
A residencia de Lincolnshire tornou a fechar seus numerosos olhos, e a casa da cidade esta acordada. Em Lincolnshire, os Dedlocks do passado dormitam nas suas molduras, e o vento baixo murmura através do salão, como se eles estivessem respirando regularmente. Na cidade, os Dedlocks do presente rolam nas suas carruagens de olhos ígneos através da escuridão da noite, e os Mercúrios dos Dedlocks, com cinza (ou pós de cabelo) na cabeça, sinal da sua grande humildade, deixam as manhãs sonolentas espreguiçarem nas pequenas janelas do vestíbulo. O mundo elegante — tremendo orbe, com quase cinco milhas de perímetro — acha-se em plena rotação, e o sistema solar opera respeitosamente nas suas distâncias marcadas.
Onde a multidão é mais densa, onde as luzes são mais vividas, onde todos os sentimentos são satisfeitos com a maior delicadeza e refinamento, aí se encontra Lady Dedlock. Das alturas brilhantes que escalou a tomou, nunca esta ausente. Conquanto não mais exista a crença que já teve de ser capaz de conservar sob o manto da sua soberba tudo quanto quisesse; ainda que ela não tenha certeza de poder ser por mais um dia a mesma de sempre para os que a cercam; não está em sua natureza, quando olhos invejosos nela pousam, ceder ou curvar-se. Dizem que ultimamente ela se torna cada vez mais bela e mais orgulhosa. O primo debilitado diz que ela é bastante bonita, mas de uma beleza um tanto alarmante e algo inconveniente.
O Sr. Tulkinghorn nada diz, nada olha. Agora, como sempre, pode ser encontrado as portas dos aposentos, com sua gravata branca amarrada num laço frouxo e fora de moda, recebendo amparo da nobreza, mas não dando sinal de nada. De todos os homens o Sr. Tulkinghorn é ainda aquele de quem menos se pode suspeitar que exerça alguma influência sobre Lady Dedlock. De todas as mulheres, Lady Dedlock é ainda aquela de quem menos se pode suspeitar que tenha algum medo dele.
Uma coisa não sai do pensamento da nobre dama desde a última entrevista que tiveram no quarto de torreão do Sr. Tulkinghorn em Chesney Wold. Está agora resolvida e disposta a afugentar essa ideia.
É manhã no grande mundo mas passa de meio-dia, de acordo com o sol insignificante. Os Mercúrios, exaustos de olhar pela janela, estão descansando no vestíbulo; as imponentes criaturas deixam pender as pesadas cabeças como girassóis que floriram em excesso. Igualmente como eles, parecem vergar ao peso das sementes, isto é, dos penduricalhos e enfeites que ostentam. Sr. Leicester, na biblioteca, adormeceu, para bem do país, lendo o relatório de uma comissão parlamentar. Lady Dedlock está sentada na sala em que recebeu o rapaz chamado Guppy. Rosa está com ela, e esteve escrevendo sob seu ditado e lendo para ela. No momento, borda ou faz alguma bonita coisa dessa natureza, e, enquanto curva a cabeça sobre seu trabalho, a senhora a observa em silêncio e não pela primeira vez naquele dia.
— Rosa.
O lindo rosto aldeão se ergue com vivacidade. Depois, notando a serenidade da senhora, parece confuso e surpreso.
— Veja a porta. Esta fechada?
Sim. Ela vai ate a porta e volta, parecendo ainda mais surpreendida.
— Estou a ponto de fazer-lhe uma confidência, menina, pois sei que posso contar com sua dedicação, se não com o seu bom senso. No que vou fazer, não procurarei disfarçar-me ao menos diante de você. Mas tenho confiança em você. Nada diga a ninguém do que se passar entre nos.
A tímida e linda moca promete muito a sério ser merecedora dessa confiança.
— Sabe você — pergunta-lhe Lady Dedlock, fazendo-lhe sinal para aproximar sua cadeira — sabe você, Rosa, que sou diferente para você do que sou para qualquer outra pessoa?
— Sim, minha senhora. Muito mais bondosa. Por isso muitas vezes imagino que a conheço como realmente é.
— Muitas vezes imagina que me conhece como realmente sou? Pobre criança, pobre criança!