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Intrusos

Nesse momento aqueles dois cavalheiros, de punhos e botões não muito limpos, que assistiram ao último inquérito do delegado na Sol's Arms, reaparecem no mesmo local com surpreendente ligeireza (tendo ido, esbaforido, à sua procura o ativo e inteligente beleguim) e iniciam pesquisas pelo largo e penetram no salão da Sol's Arms e escrevem com vorazes penas em papel de seda. Nesse momento registram, nos quartos da noite, que a vizinhança do Beco do Tribunal foi ontem, cerca da meia-noite, vivamente abalada pela seguinte descoberta, alarmante e horrível. Nesse momento escrevem que hão de sem dúvida lembrar-se da penosa impressão que, algum tempo atrás, invadira a opinião pública com o caso de certa misteriosa morte por ópio, ocorrida no primeiro andar da casa, ocupada por uma loja de trapos, garrafas e mercadorias marítimas em geral, de propriedade de um indivíduo excêntrico e de hábitos imoderados, de idade avançada, chamado Krook, e que, graças a uma notável coincidência, Krook foi interrogado no inquérito que, segundo devem todos lembrar-se, então se realizou na Sol's Arms, reputada taverna bem conceituada, sita nas proximidades do local em questão, no lado ocidental, com licença de funcionar dada a um proprietário altamente respeitável, o Sr. Jaime Jorge Bogsby. Nesse momento mostram (empregando o maior número de palavras possível) como durante algumas horas da noite precedente um cheiro muito característico foi sentido pelos moradores do largo, no qual se tornou pública a trágica ocorrência que forma o assunto da presente narrativa, e como em certo momento o referido cheiro se tornou tão forte que o Sr. Swills, cantor cômico, contratado pelo Sr. J. J. Bogsby, confessou ao nosso repórter haver dito a Miss M. Melvilleson – senhora com pretensões a algum talento musical, igualmente contratada pelo Sr. J . J. Borgsby para cantar numa série de concertos, chamados Assembleias ou Reuniões Harmônicas, que, segundo parece, se realizam na Sol's Arms sob a direção do Sr. Bogsby, de acordo com a lei de Jorge II – que ele, Wills, sentia sua voz seriamente afetada pelo estado de impureza da atmosfera, ou, para usar sua expressão jocosa, "que se achava como uma burra vazia, pois não tinha dentro de si uma nota sequer". A afirmativa do Sr. Wills é inteiramente corroborada por duas inteligentes senhoras casadas, residentes no mesmo largo, e conhecidas, respectivamente, pelos nomes de Sra. Piper e Sra. Perkins, ambas as quais sentiram os fétidos eflúvios e perceberam que provinham do local onde residia Krook, o infeliz falecido. Tudo isso e muito mais coisas os dois cavalheiros, que travaram cordial camaradagem na tristonha catástrofe, redigiram imediatamente, sendo que a população infantil do largo (fora da cama num instante), trepava pelas janelas do salão da Sol's Arms para poder ver o alto da cabeça dos dois cavalheiros, entregues à sua tarefa.

Todo o largo, tanto adultos como crianças, está desperto naquela noite e nada mais pode fazer senão agasalhar as muitas cabeças e falar na malfadada casa, olhando para ela. Miss Flite foi corajosamente retirada de seu quarto, como se este estivesse em chamas, e posta numa cama na Sol's Arms. Esta nem apaga o gás, nem fecha as portas durante a noite, pois qualquer espécie de agitação pública é bom negócio para a Sol's, uma vez que põe o largo na necessidade de receber conforto. Desde o outro inquérito não conseguira a casa ganhar tanto em matéria de alhos estomacais e de aguardente. No momento em que o caixeiro da taverna soube do acontecido, arregaçou as mangas o mais que pôde e disse: – Isto aqui hoje vai encher. – Ao primeiro rebate, o jovem Piper saiu a correr em busca das bombas de incêndio e voltara em triunfo, num galope frenético, encarapitado no alto da Fênix e agarrado com todas as suas forças àquela fabulosa criatura, no meio de capacetes e de archotes. Um dos capacetes deixa-se ficar, depois de cuidadosa investigação de todas as fendas e gretas, e vagarosamente vai dando suas passadas em frente da casa, em companhia de um dos dois policiais, que ali ficaram igualmente de guarda. Toda a gente do largo que possui seis pence mostra um desejo insaciável de exibir àquele trio hospitalidade em forma líquida.

A Casa Soturna (1870)Onde histórias criam vida. Descubra agora