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"Uma Luta"

Quando chegou nossa vez de voltar de novo para a Casa Soturna, fomos muito pontuais, sendo recebidas duma maneira sensibilizadora. Eu estava perfeitamente restabelecida e cheia de força, e, encontrando minhas chaves de dona de casa prontas à minha espera no meu quarto, fui repetindo para mim mesma, como quem ia recomeçar vida nova: "Uma vez mais o dever, o dever, Ester; e se você não se sente mais do que alegre em cumpri-lo, mais do que satisfeita e contente, deveria sentir-se tal. É tudo quanto tenho que dizer-lhe, minha querida!"

As primeiras manhãs foram manhãs de tanto alvoroço e ocupação, dedicadas a tais acertos de contas, tão repetidas caminhadas para lá e para cá, entre a Resmungadoria e as demais partes da casa, tantas arrumações de gavetas e armários e uma volta tão geral à vida anterior que eu não tinha um momento de folga. Mas quando se completaram essas arrumações e cada coisa ficou em seu lugar, fiz uma visita de poucas horas a Londres, visita que me decidira a fazer em virtude de certos assuntos constantes da carta que eu destruíra em Chesney Wold.

Fiz de Caddy Jellyby — seu nome de solteira me vinha tão naturalmente à boca que eu sempre a chamava por ele — o pretexto para essa visita e escrevi-lhe um bilhete prévio, solicitando-lhe o obséquio de sua companhia para um pequeno negócio. Saindo de casa de manhã bem cedo, cheguei a Londres pela diligência, tão bem a tempo que estando na Rua Newman tinha o dia todo à minha frente.

Caddy, que não me tinha visto desde o dia de seu casamento, mostrou-se tão alegre e tão afetuosa que fiquei com certo receio de que causasse ciúmes ao marido. Mas ele era, lá a seu modo, tão mau — quero dizer tão bom — que afinal se repetiu a velha história: ninguém me quis deixar qualquer possibilidade de fazer alguma coisa de meritório.

O velho Sr. Turveydrop estava de cama, e Caddy moía-lhe o chocolate, que um melancólico menino, aprendiz da casa (parecia coisa tão curiosa ser aprendiz do negócio de dança), estava esperando para levar para cima. Seu sogro, disse-me Caddy, era extremamente bondoso e delicado, vivendo todos na maior harmonia. (Quando se referia a essa vida ideal, queria dizer que o velho tinha as melhores coisas e a parte mais cômoda do alojamento, ao passo que ela e seu marido se contentavam com o resto, encafuados em dois quartos de esquina que davam para as Cavalariças Reais.) — E como vai sua mãe, Caddy? — perguntei eu.

— Ah! soube notícias dela, Ester — respondeu Caddy —, por meu pai. Mas vejo-a muito pouco. Somos boas amigas, folgo de dizê-lo. Mas mamãe pensa que há qualquer coisa de absurdo no fato de eu ter casado com um professor de dança e está um tanto receosa de que esse absurdo a contagie.

Veio-me a ideia de que se a Sra. Jellyby se tivesse desembaraçado de seus deveres e obrigações naturais, antes de varrer o horizonte com um telescópio à procura de outras, tomaria todas as precauções para não se tornar absurda. Creio não ser preciso dizer que guardei essas reflexões para mim mesma.

— E seu pai, Caddy?

— Vem cá, todas as tardes e gosta tanto de sentar-se ali a um canto que é um prazer vê-lo.

Olhando para o canto, percebi claramente a marca da cabeça do Sr. Jellyby na parede. Era consolador saber que ele havia encontrado para si um lugar de descanso como aquele.

— E você, Caddy, aposto que está sempre atarefada, não é verdade?

— Bem, minha querida, realmente estou. Vou contar-lhe um grande segredo. Estou-me preparando para lecionar. A saúde de Príncipe não é forte, e quero ajudá-lo. O coitadinho tem muito que fazer com aulas, alunos particulares e ainda por cima com os aprendizes!

A ideia dos tais aprendizes ainda me causava tanta estranheza que perguntei a Caddy se havia muitos.

— Quatro — respondeu Caddy — Um aqui dentro e três fora. São crianças muito boas. Só que quando se reúnem põem-se a brincar, como crianças que são, em vez de cuidarem de seu trabalho. Por isso o menino que você acaba de ver valsa sozinho na cozinha vazia, e distribuímos os outros pelo resto da casa da melhor forma que é possível.

A Casa Soturna (1870)Onde histórias criam vida. Descubra agora