A família Smallweed
Numa vizinhança de mau aspecto e malcheirosa, embora um de seus terrenos elevados use o nome de Monte Alegre, o trasgo Smallweed, batizado com o nome de Bartolomeu e conhecido no lar doméstico como Bart, passa aquela limitada parte de seu tempo na qual o escritório e suas obrigações não exercem suas exigências. Mora numa ruazinha estreita, sempre erma, sombria e triste, apertadamente cercada de tijolos por todos os lados, como um túmulo, mas onde permanece ainda o tronco de uma velha árvore florestal, cujo perfume é quase tão fresco e natural como o aroma de juvenilidade de Smallweed.
Tem havido apenas uma criança em várias gerações da família Smallweed. Velhinhos e velhinhas tem havido, mas nenhuma criança, até que a avó do Sr. Smallweed, ainda viva, ficou de miolo mole, e passou (pela primeira vez) ao estado pueril. Com graças tão infantis, como falta total de observação, de memória, de compreensão e de interesse, e uma eterna predisposição para adormecer por cima do fogo e dentro dele, a avó do Sr. Smallweed tem indubitavelmente ilustrado a família.
O avô do Sr. Smallweed também faz parte da turma. Quanto aos membros superiores do seu corpo e quase outro tanto quanto aos inferiores, suas condições são irremediáveis, mas seu juízo está intato. Retém, tão bem como sempre reteve, as quatro primeiras operações da aritmética e certa pequena coleção de fatos mais complicados. A respeito de ideal, reverência, maravilha e outros que tais atributos frenológicos, não está pior do que costumava estar. Tudo quanto o avô do Sr. Smallweed alguma vez meteu na cabeça foi a princípio uma larva e continua a ser uma larva. Em toda a sua vida jamais criou uma simples borboleta.
O pai desse agradável avô, das vizinhanças de Monte Alegre, foi uma espécie de aranha bípede, de pele córnea e ganhadora de dinheiro, que tecia teias para pegar moscas incautas e retirava-se para uns buracos, até que elas caíssem no laço. O nome do deus desse velho pagão era Juros Compostos. Viveu por ele, casou com ele, morreu dele. Tendo sofrido pesada perda numa pequena empresa honesta, na qual se entendia que toda a perda devesse estar do outro lado, rompeu-se-lhe qualquer coisa (qualquer coisa necessária à sua existência; por isso não poderia ter sido seu coração) que pôs fim à sua carreira. Como seu caráter não era bom e ele fora criado numa Escola de Caridade num curso completo, com as competentes perguntas e respostas, daqueles antigos povos — os amoritas e os bititas —, era frequentemente citado como exemplo do malogro da educação.
Seu espírito brilhava através do filho, a quem sempre pregara que "ganhasse cedo" a vida, e a quem fez escrevente, contando ele doze anos, no cartório dum áspero notário. Ali o jovem cavalheiro desenvolveu seu espírito, que era de caráter mesquinho e impaciente, e, valorizando os dotes da família, gradualmente se elevou na profissão de cambista. Ganhando cedo a vida e casando-se tarde, como seu pai havia feito antes dele, gerou também um filho de juízo fraco e impaciente, o qual, por seu turno, ganhando cedo a vida e casando-se tarde, veio a ser o pai dos gêmeos Bartolomeu e Judite Smallweed. Durante todo o tempo consumido no lento crescer dessa árvore familiar, a casa de Smallweed, sempre precoce no ganhar a vida e tardia no casar-se, fortificou-se no seu caráter prático, desfez-se de todas as diversões, desaprovou todos os romances, contos de fadas, ficções e fábulas e baniu toda e qualquer futilidade. Daí o fato satisfatório de não lhe ter nascido criança e de apresentarem os completos homenzinhos e mulherzinhas por ela produzidos certa semelhança com velhos macacos, e de terem o juízo um tanto deficiente.
Nesse momento, no escuro salãozinho, uns centímetros abaixo do nível da rua — saleta feia, inóspita, tosca, apenas ornamentada com os mais grosseiros atoalhados de baeta e com as mais ordinárias bandejas de chá de latão, e oferecendo no seu caráter decorativo uma alegórica representação nada má do juízo de vovô Smallweed —, sentados em duas cadeiras de dossel de crina preta, uma de cada lado do fogo, os velhíssimos Sr. e Sra. Smallweed passam as horas róseas. Em cima da estufa está um par de tripeças para panelas e chaleiras, cuja vigilância é a ocupação usual de vovô Smallweed, e, ressaindo da prateleira da chaminé entre elas, vê-se uma espécie de forcas de bronze para assar, que ele também superintende quando a mesma está funcionando. Debaixo da cadeira do venerando Sr. Smallweed e guardada por suas pernas de cambito, há uma gaveta que contém, segundo se diz, fabulosa quantidade de dinheiro. Ao lado dele está uma almofada de sobressalente, sempre à mão para ele ter alguma coisa que atirar contra a veneranda companheira de sua respeitável idade quando ela faz qualquer alusão a dinheiro — assunto a respeito do qual ele se mostra bastante sensível.