O visitante intruso

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Era o dia seguinte ao enterro, e os gêmeos haviam subido à sala da lâmpada no topo do farol. Abaixo deles a baía brilhava ao sol do meio-dia.

Pequenas embarcações à vela entravam e saíam do porto. Dessa altura pareciam pequenas plumas roçando as águas azuis.
Chaeyoung e Jimin sempre haviam gostado daquela sala, assim como o pai.

Era um local para ir e pensar; para se distanciar de Baía Quarto Crescente e vê-la como realmente era — um minúsculo retalho de terra atulhado com casas demais, equilibrando-se no penhasco.

Nos dias que se seguiram à morte do pai, a sala da lâmpada assumiu um significado extra para os gêmeos. Mason Park havia passado tanto tempo na sala que era impossível para os gêmeos entrar ali sem se sentirem próximos dele.

Mesmo agora Jimin podia ver o pai sentado diante da janela, os olhos fixos no porto abaixo, cantarolando uma velha cantiga de marinheiros. Surpreendeu-se cantando também.

Uma garrafa térmica com chá de eucalipto quente estaria ao lado e, era quase certo, um de seus empoeirados livros de poemas. Quando ele entrava, seu pai se virava e sorria.

— Olá, olá, tem alguém em casa?

O sotaque característico de Lachlan Busby sinalizou um invasor que não era bem-vindo. Jimin e Chaeyoung deram as costas para a janela enquanto o gerente de banco, com a cara vermelha, aparecia no topo da escada.

— Bom, devo dizer que, obviamente, não estou tão em forma quanto gostaria de pensar! Seu pai realmente subia e descia essa escada todos os dias?

Jimin ficou quieto. Não tinha vontade de conversar com Lachlan Busby. Chaeyoung simplesmente assentiu com educação e esperou que o gerente recuperasse o fôlego.

— Gostaria de um pouco d’água, sr. Busby? — perguntou enfim. Em seguida serviu um copo e entregou nas mãos úmidas do gerente.

— Obrigado, muitíssimo obrigado — disse ele. — Será que escutei vocês cantando alguma coisa agorinha mesmo? Canção estranha. Não entendi direito as palavras. Adoraria ouvir, se vocês quisessem cantar de novo.

Jimin balançou a cabeça e Chaeyoung concluiu que era melhor ter cautela. Sem dúvida, Lachlan Busby não era um homem que subiria trezentos e vinte degraus apenas para uma visita social.

— É uma velha canção de marinheiros que nosso pai costumava cantar — explicou educadamente.

— Canção de marinheiros, hein?

— Ele cantava para nos fazer dormir quando éramos pequenos.

— Uma cantiga de ninar, então, uma canção bonita para acalmar as coisas?

Chaeyoung deu um riso suave.

— Não exatamente. De fato é sobre dor, morte e coisas horríveis.

O banqueiro pareceu alarmado.

— O objetivo, sr. Busby, é lembrar que, por pior que a vida possa parecer, as coisas podem ficar muito, muito piores.

— Ah, acho que entendo, srta. Park. E, bem, devo dizer que estou impressionado com seu... estoicismo na situação atual.

Chaeyoung tentou sorrir, mas a expressão saiu mais como uma careta. Jimin olhou para Lachlan Busby com ódio sem disfarces. Também estava tentando se lembrar do que significava estoicismo.

— Vocês dois tiveram uma perda que nenhuma criança, nenhuma pessoa de sua idade, deveria ter de enfrentar — continuou Lachlan Busby. — E agora estão sem os pais, sem rendimentos e sem casa!

— Nós temos uma casa — reagiu Jimin, rompendo seu silêncio. — O senhor está nela.

— Meu caro garoto — disse Lachlan Busby estendendo a mão paternal para apertar o ombro de Jimin, depois decidindo não fazê-lo. — Se ao menos esta ainda fosse sua casa! Mas, sem querer pôr um infortúnio sobre o outro, é meu triste dever informar que seu pai morreu com muitas dívidas. Agora este farol é propriedade do Banco Cooperativo Baía Quarto Crescente.

Chaeyoung franziu a testa. Tinha suspeitado disso, mas de algum modo ouvir as palavras tornou seu medo mais tangível.

— Então vamos morar no nosso barco — respondeu Jimin.

— Agora também é propriedade do banco, infelizmente — disse Lachlan Busby, com os olhos tristes e baixos.

— Seu banco — disse Chaeyoung.

— De fato — assentiu Lachlan Busby.

— O que mais tem a nos dizer, sr. Busby? — Chaeyoung percebeu que era melhor ouvir o pior e acabar com aquilo. Lachlan Busby sorriu, os dentes brancos perfeitos brilhando ao sol.

— Não estou aqui para lhes dizer nada, meus queridos, só para fazer uma oferta. É verdade que, a partir deste momento, vocês não têm nada e ninguém no mundo. Mas eu tenho muitas coisas. Tenho uma bela casa, uma empresa próspera e a esposa mais maravilhosa que um homem poderia desejar. E no entanto a tragédia de nossa vida é que não fomos abençoados com...

— Filhos — interrompeu Chaeyoung. De repente tudo ficou horrivelmente claro. — Vocês não têm filhos e nós não temos pais.

— Se fossem morar conosco teriam toda a vantagem proporcionada por ser um Busby nesta cidade.

— Prefiro morrer — disse Jimin com os olhos chamejantes.

Lachlan Busby se virou para Chaeyoung.

— Você parece mais racional do que seu irmão, querida. Diga o que você acha de minha pequena proposta.

Chaeyoung se obrigou a sorrir, mesmo sentindo-se enjoada por dentro.

— É muita, muita gentileza, sr. Busby. — A bile subiu em sua garganta e ela lutou para engoli-la de volta. — Mas meu irmão e eu não precisamos de novos pais. É muita generosidade oferecer sua casa, realmente, mas vamos nos virar muito bem sozinhos.

Lachlan Busby parou de sorrir.

— Vocês não vão se virar muito bem. São apenas crianças. Não podem morar aqui sozinhos. Na verdade, não podem morar aqui. No fim da semana chegará o novo faroleiro e vocês terão de fazer as malas e sair.

Lachlan Busby se levantou. Virou-se para Chaeyoung uma última vez antes de partir.

— Você é uma garota inteligente. Não se precipite em recusar a oferta. Outros dariam os olhos por essa oportunidade.

Quando o visitante intruso desapareceu escada abaixo, Chaeyoung passou o braço pelo pescoço do irmão e enterrou o rosto em seu ombro.

— O que vamos fazer? — perguntou.

— Você vai pensar em alguma coisa. Você sempre pensa.

— Estou ficando sem idéias.

— Não importa o quê vamos fazer, desde que estejamos juntos.

Chaeyoung confirmou com a cabeça. Começou a cantar baixinho.

É melhor ser boazinha, criança — boa como ouro, Tão boa que nem posso contar. Senão te entrego aos Vampiros piratas E te mando para o mar.

Jimin se lembrou do pai abraçando-os, olhando o oceano. Ainda que as palavras fossem ameaçadoras, lançando arrepios pela coluna, havia algo atraente na idéia de navegar pela noite. Agora mais do que nunca.

Abraçou Chaeyoung com mais força e os dois pousaram o olhar nas águas brilhantes da baía. Por pior que parecesse, tudo daria certo, as coisas não poderiam piorar.

Siblings Park - Demônios do OceanoOnde histórias criam vida. Descubra agora