As coisas pioram

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Baía Quarto Crescente era uma cidade pobre, mas, se fosse possível vender fofocas, o lugar seria o centro financeiro do mundo.

E naquele dia, no mercado do porto, as fofocas tinham apenas um tema — a oferta feita por Lachlan Busby aos gêmeos e o modo como Jimin e Chaeyoung o tinham mandado embora de mãos abanando.

Este último acontecimento apenas confirmou a crença popular no terrível orgulho e na falta de sociabilidade dos gêmeos. Ninguém na baía podia oferecer os gêmeos uma segunda chance melhor do que os Busby.

Por mais estranho que possa parecer, não houve um único gesto de solidariedade à estranha dupla, que sempre fora desajustada mas agora parecia ter se recolhido totalmente no farol que logo deixaria de ser seu lar.

Havia apenas uma pessoa, além dos Busby, que ainda cogitava oferecer abrigo aos gêmeos Park. Agora mesmo ela estava virando lençóis sujos pelo avesso, para fazer duas camas para eles, e esvaziando um pequeno armário torto para guardar seus pertences.

Enquanto pingava uma gota de óleo na dobradiça que rangia, Polly Pagett sorriu. Dentro de vinte e quatro horas os gêmeos passariam pelo alto portão verde e entrariam em seus domínios. Tinham ficado sem opção.

Na sala da lâmpada, Chaeyoung e Jimin olhavam o formigueiro de pessoas lá embaixo.

— O tempo está acabando — disse Chaeyoung.

Jimin não respondeu.

— O que vamos fazer? Amanhã à noite o banco executa a hipoteca do papai e toma o farol.

Jimin não sabia o que significava “executa a hipoteca”, mas entendeu o sentido geral. Dentro de vinte e quatro horas, mais ou menos, ele e Chaeyoung estariam na rua, ou dormindo no Orfanato Baía Quarto Crescente. Nenhuma das duas perspectivas era agradável.

— Talvez a gente devesse reconsiderar — disse Chaeyoung finalmente.

Jimin virou o rosto para ela e rompeu seu silêncio.

— Você imagina como seria nossa vida com os Busby? Eles não querem filhos, querem bichos de estimação!

Chaeyoung confirmou com a cabeça.

Estremeceu. Ela e Jimin sempre haviam sido livres para fazer o que quisessem, ir aonde quisessem, pensar o que quisessem. O pai lhes dera isso. Era um legado rico e raro, que eles não podiam trair.

Morar na propriedade luxuosa e sufocante dos Busby seria uma traição completa a tudo que o pai havia defendido, tudo em que havia acreditado.

— Por que não podemos simplesmente ficar aqui e trabalhar no farol, como papai? — perguntou Jimin, incapaz de ver além da própria frustração.

— Você ouviu o sr. Busby. Ele disse que já contratou um novo faroleiro. — sua irmã sentia que as opções estavam diminuindo. — Além disso, ele provavelmente diria que é um trabalho inadequado para duas crianças.

— Crianças! — Jimin disse a palavra com raiva.

— Eu sei. Eu sei. Ele finge que está se preocupando, mas ou a gente concorda com os planos dele ou esquece.

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No dia seguinte Chaeyoung estava fazendo o café-da-manhã quando ouviu um envelope grande e grosso passar pela caixa de correspondência. Pondo o bule de café de lado, pegou o envelope que estava endereçado numa letra rabiscada.

...Srta. Park Chaeyoung e Sr. Park Jimin...

Chaeyoung abriu o envelope e desdobrou uma única folha grossa. Ao ver o nome no fim, franziu a testa e começou a ler.

... Meus caros Chaeyoung e Jimin, Hoje é o último dia de sua antiga vida. A meia-noite o novo faroleiro receberá as chaves do farol e assumirá a incumbência de acender a lâmpada e vigiar o porto abaixo. Como costumava dizer meu pai, há um cerne de bondade na noz do infortúnio — só precisamos morder com força suficiente para encontrá-lo. Para vocês, caras crianças, não será muito difícil enxergar o bem que está em seu caminho. Amanhã marca o PRIMEIRO dia de sua nova vida.
Vocês estarão livres do fardo que seu pai carregou por todos esses anos. Desçam do farol. Venham e aceitem uma nova vida despreocupada, como a que crianças de sua idade devem desfrutar. Alguns dizem que sou um homem orgulhoso, mas não sou orgulhoso demais para lhes oferecer um lugar na minha família PELA ÚLTIMA VEZ. O que dizem? Pensando bem, que outra opção lhes resta? Minha esposa e eu lhes daremos tudo que vocês podem esperar desta vida. É só pedir e será seu. Encontrem-se comigo à meia-noite na porta do farol. Arrumem apenas uma mala de lembranças — porque logo estaremos criando novas lembranças, lembranças melhores, como uma FAMÍLIA de verdade!

De braços abertos, Lachlan Busby, o “papai”!

Chaeyoung largou a carta no chão, horrorizada, e ficou imóvel, sentindo a maré do medo finalmente cobri-la.

— O que é? — perguntou Jimin entrando no cômodo com uma bola de basquete.

Ao ver a expressão da irmã, largou a bola, e cada quicar parecia um eco do anterior, até a bola rolar e parar no canto. Pegou a carta e leu, absorvendo cada ameaça coberta de açúcar. Por fim pegou o papel e rasgou, espalhando os pedaços no chão como confete.

— É um belo gesto, Jimin, mas não muda nada — disse Chaeyoung. — Nós ficamos sem opções e agora estamos sem tempo.

Jimin olhou nos olhos da irmã e pôs as mãos nos ombros dela. Sorriu e balançou a cabeça.

— Pelo contrário, Chaeyoung. Você pode ter ficado sem idéias. Mas eu resolvi tudo. Agora vamos comer torrada com creme de amendoim e eu digo exatamente o que vamos fazer!

Siblings Park - Demônios do OceanoOnde histórias criam vida. Descubra agora