O enterro

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Sete anos depois...

Todo o povo de Baía Quarto Crescente compareceu ao enterro do faroleiro. Naquele dia não sobrou nenhuma peça de roupa preta para se comprar no Empório de Roupas Quarto Crescente.

Nenhuma flor sobrou na Floricultura Haste Feliz. Todos os botões foram transformados em coroas e homenagens florais. A maior delas era uma torre de gardênias brancas e vermelhas na forma de um farol, rodeada por um mar de eucaliptos em redemoinho.

Mason Park havia sido um homem bom. Como faroleiro, cumprira uma importante função na segurança da baía.

Muitos dos que estavam agora ao redor da sepultura, de cabeça baixa com os pescoços queimando ao sol do fim de tarde, deviam a vida aos olhos aguçados de Mason Park e ao seu senso de dever ainda mais aguçado.

Outros agradeciam ao Mason Park a passagem em segurança de um ou mais familiares ou de amigos íntimos, resgatados das águas perigosas fora do porto — águas apinhadas de tubarões e piratas... e coisa pior.

Baía Quarto Crescente era uma cidade minúscula, e cada um de seus habitantes parecia ligado aos outros com tanta firmeza quanto pontos de uma peça de tricô. Uma trama tão fechada não tornava a vida necessariamente tranquila.

As fofocas corriam mais depressa pela baía do que as corredeiras do riacho Quarto Crescente. Agora mesmo, por exemplo, havia apenas um assunto — o que aconteceria com os gêmeos Park? Ali estavam eles, de cabeça baixa diante da sepultura do pai.

Com 14 anos, não eram exatamente crianças, mas também não eram adultos — as crianças, a garota alta e magra, com inteligência rara, e outro também alto com corpo de atleta.

Mas na verdade tinham poucos benefícios a contar, sobretudo agora que eram órfãos e sozinhos no mundo — tendo apenas um ao outro.

Ninguém na baía tinha ao menos visto a mãe dos gêmeos — a mulher de Mason Park.
Alguns duvidavam que o casamento houvesse mesmo acontecido.

Só sabiam que um dia o Sr. Park deixou Baía Quarto Crescente com uma idéia maluca de ver alguma coisa do mundo. E um dia — cerca de um ano depois — voltou de coração pesado e com os dois embrulhodos em um pano contendo-os, Jimin e Chaeyoung.

Polly Pagett, matrona do Orfanato Baía Quarto Crescente, franzia os olhos à luz forte para observar melhor os gêmeos.

Parecia avaliá-los, como um artista que fizesse um esboço. Polly estava preocupada com o dilema de quais camas dar aos recém-chegados.

Certo, nenhum arranjo ainda fora discutido, mas sem dúvida não haveria outra opção além do orfanato para aquelas duas crianças, não é?

O menino parecia fortíssimo. Poderia ser posto para trabalhar no porto. E a outra, ainda que mais magra, tinha mente aguçada como um alfinete.

Sem dúvida, seria boa para ajudar a esticar o orçamento cada vez mais magro do orfanato. Mesmo contra a vontade, um sorriso se esgueirou pelos lábios tensos e ressecados de Polly Pagett.

Lachlan Busby, o gerente do banco, virou a cabeça para longe do belo tributo floral encomendado por sua mulher (e sem dúvida o mais bonito do pátio da igreja) para observar melhor Chaeyoung e Jimin.

Até que ponto o pai havia deixado de prover o futuro dos dois! Se ao menos olhasse as contas bancárias de vez em quando em vez de dedicar tanta atenção aos navios do porto! Existia uma coisa chamada confiar demais.

Esse era um erro que Lachlan Busby jamais pretendia cometer. Busby tinha seus próprios planos para os gêmeos. No dia seguinte daria a Jimin e a Chaeyoung a notícia — com calma e gentileza, claro — de que não lhes restava nada no mundo.

Que as posses de Mason — seu barco, até mesmo o próprio farol — não pertenciam a eles. O pai não havia deixado nada. Olhou um momento para a esposa, parada ao lado. Querida Loretta! Podia ver que ela achava impossível afastar o olhar dos gêmeos.

Fora um golpe cruel para os dois nunca terem tido filhos. Mas agora, pelo visto, as coisas poderiam dar certo. Apertou a mão dela. Jimin e Chaeyoung sabiam que estavam sendo observados. Não era novidade. A vida inteira tinham sido assunto para fofocas.

Nunca haviam escapado ao drama de sua chegada a Baía Quarto Crescente. E, enquanto cresciam, os gêmeos com olhos de esmeralda haviam continuado como assunto de boatos e especulações.

Existe inveja numa cidade pequena como Baía Quarto Crescente, e as pessoas sentiam inveja dos curiosos gêmeos que pareciam mais talentosos do que as outras crianças.

As pessoas achavam difícil deduzir por que o filho do faroleiro era tão melhor nos esportes do que os outros. Quer fosse futebol, basquete ou críquete, ele parecia correr mais depressa e acertar com mais força, mesmo quando deixava de aparecer nos treinos do time por semanas seguidas.

A outra também provoca tal suspeita — tanto entre os professores quanto entre os colegas — com seu conhecimento incomum e as estranhas idéias sobre coisas muito impróprias à sua idade e condição de vida.

Mason Park, segundo os boatos, fora um pai estranho para os dois, enchendo a cabeça deles com histórias originais. Outros iam ainda mais longe, sugerindo que ele voltara a Baía Quarto Crescente com a mente partida, além do coração.

Jimin e Chaeyoung estavam um pouco separados do bom povo de Baía Quarto Crescente. E agora, enquanto a congregação cantava um hino sobre a última jornada do faroleiro até um “porto feliz e novo”, seria possível observar uma pequeníssima nota de discordância no ar quente e estagnado.

Ainda que Jimin e Chaeyoung parecessem cantar com os outros, a canção que entoavam era diferente, algo mais parecido com uma cantiga de marinheiros do que um hino...

Vou contar a história dos Vampiros piratas, História antiga e verídica. Sim, vou cantar sobre um velho navio Com tripulação maligna e fatídica.

Siblings Park - Demônios do OceanoOnde histórias criam vida. Descubra agora